A cultura historicamente abordou de forma distópica a revolução tecnológica como substituta da mão de obra humana. Na realidade, a mudança é muito mais sutil e gradual do que a ficção científica ou do que Charles Chaplin tentaram prever. Iniciou ainda na agricultura, outrora a mais braçal das atividades produtivas, com a expansão da mecanização, e, há pelo menos 20 anos, afeta o setor da indústria, desde o surgimento da chamada indústria 4.0. Terminologia que passou a ser aderida a partir de 2012 e refere-se justamente à adoção de métodos tecnológicos e sistemas digitais para produzir, teoricamente, "mais, melhor e com menos mão de obra braçal".
Atualmente em alto uso dentro de empresas de grande porte, a expansão do uso da automação é um dos principais argumentos usados por economistas e especialistas para justificar a redução de empregos no setor. O impacto dessa transformação é cada ano mais perceptível em Caxias do Sul, segundo maior polo metalmecânico do país, cuja vocação para o trabalho historicamente está vinculada à metalurgia.
Entre 2011 (período de maior alta no setor da última década) e 2019, a cidade perdeu mais de 20 mil postos no setor, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Na década que se encerrou no ano passado, foram registradas 28.834 demissões na indústria.
— Em Caxias do Sul podemos atribuir esse movimento a três fatores: a crise dos últimos anos, a redução de exportações e a substituição da mão de obra por tecnologia — avalia a coordenadora do Observatório do Trabalho da Universidade de Caxias do Sul, Lodonha Maria Portela Coimbra Soares.
Ainda assim, ela informa que o setor continua sendo o maior empregador da cidade:
— Antes da crise, lá por 2013, a indústria empregava mais de 50% da população economicamente ativa. Mais recentemente fizemos levantamento e identificamos que esse percentual caiu para em torno de 40%. É óbvio que havendo melhora no processo de trabalho tem a expectativa de que a indústria passe a empregar mais, mas não na mesma proporção — complementa.
Ainda de acordo com o Caged, o auge da década passada no setor foi em 2011, quando a indústria empregava 88.179 pessoas. Em 2016, índice mais baixo dos últimos 10 anos, o setor contabilizava 64.700 trabalhadores, ou seja, 23,3 mil postos a menos.
Para acentuar a baixa, em contraste, outros principais setores, comércio e serviços, tiveram saldo positivo entre 2009 e 2019, de 5.711 e 11.944 vagas criadas, respectivamente.
Na era da automação, novas profissões surgem
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A mudança de contexto econômico também reflete na cadeia de formação. Ainda assim, na visão do diretor regional do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai-RS), Carlos Trein, trata-se de evolução natural e que não exclusivamente gera perdas de profissões e sim o surgimento de novas.
– Existem empresas que implantam as tecnologias que não têm objetivo de desempregar, não há perda de cargos, há requalificação. Por um lado, há desenvolvimento de novas profissões que nem se cogitava, como é o caso do programador de inteligência artificial. Isso ninguém previu e há uma demanda muito grande. É um mercado ainda sendo criado. Como por exemplo, o analista de dados que pega todo o processo de digitalização e faz a análise para gerar informação útil. Enfim, surgem novas ocupações — afirma.
Ainda assim, reconhece a mudança de perfil. O antigo ferramenteiro, por exemplo, função primordial no passado, tornou-se quase extinto da indústria que utiliza internet das coisas, sensoriamento, processamento em nuvem e sistema ciberfísicos.
— Os jovens que hoje são bons nas tecnologias, não têm o mesmo traquejo daquele profissional antigo, como o ferramenteiro. Por isso a importância de desenvolver outras habilidades do trabalhador, como as sócioemocionais e o trabalho em equipe. Não é simplesmente automatizar tudo, pois não é assim que vai funcionar. Como instituição que forma profissionais para a indústria, precisamos entender esses requisitos e adequar nosso programas para atender esses requisitos, que não são mais puramente técnicos — ressalta Trein.
Saldos
Indústria: -11.090
Comércio+5.711
Serviços: +11.944
Fonte: CIC Caxias e Caged