Neste domingo (22), oficialmente, iniciou o verão no Hemisfério Sul. Nesta estação, onde o calor predomina, o litoral é o destino sonhado por quase todos e realizado por muitos. Porém, nos últimos tempos, é possível se observar uma mudança de comportamento dos turistas e veranistas que invadem as praias gaúchas: o tamanho da temporada.
Se antes o período de descanso às margens do Oceano Atlântico não era menor do que 15 dias, chegando a um mês ou até mesmo toda a temporada de verão, agora as famílias têm encontrado em poucos dias o tempo, dinheiro ou condições necessárias para as férias, que são cada vez menores.
Essa mudança de atitude do consumidor mudou também a característica do modelo de negócio de quem faz do verão sua maneira de garantir uma renda para todo o ano. Pousadas, imobiliárias e proprietários colocam suas casas à disposição dos turistas e trocaram os aluguéis de temporadas por possibilidades de diárias cada vez mais divididas. O mínimo, que anteriormente era de 10 dias, caiu em alguns casos para um fim de semana. Uma semana completa com casa alugada virou motivo de comemoração, mas também de preocupação. Afinal, a rotatividade nos imóveis aumentou e, por consequência, o desgaste das acomodações também.
É uma tendência de mercado. E isso não fugiu da realidade das praias do Litoral Norte, como Arroio do Sal, Curumim e Torres, tradicionais destinos dos caxienses e dos moradores da Serra em geral neste período. O + Serra foi até esses redutos dos “gringos” para conhecer um pouco mais dessa realidade.
Poucos dias, porém mais de uma ida
Quando saiu de Caxias do Sul rumo a Arroio do Sal, Lucas Jacobsen e a família sabiam que a estadia no litoral seria curta. Como a temporada iniciou oficialmente na sexta-feira passada, o soldador, a esposa Karen e o filho João Vitor aproveitaram os dias de folga e anteciparam o período de descanso na praia.
— Viemos quase todo ano, mas sempre ficamos poucos dias assim. O custo não está tão acessível. Nós viemos meio sem destino. Se não tiver lugar aqui, vamos em outra praia, até conseguir achar um valor que fique bom — afirma Jacobsen.
Para sorte da família e daqueles que conseguem ter uma folga antes do final de dezembro, o período que precede a alta temporada costuma ser de preços bem mais baixos no litoral.
As diárias chegam a 50% do valor aplicado às vésperas do Natal e Ano Novo e no Carnaval, as principais datas, quando os turistas e veranistas tornam as calmas e tranquilas praias em verdadeiros formigueiros de pessoas desesperadas por espaços para dormir.
— Não é mais aquele tempo em que se locava uma quinzena fechada, que o pessoal ficava um mês. Agora, são bem menos dias — afirma a corretora de imóveis em Curumim e Capão da Canoa, Isamara Monteiro, afirmando que há um perfil característico de quem permanece mais tempo na praia:
— É mais o pessoal aposentado. Há muitas pessoas que já compraram imóveis por aqui, então eles vão para a praia durante todo o ano. O restante, é mais veranistas com temporadas cada vez mais curta.
A temporada da família Jacobsen acabou na quinta-feira passada, um dia antes do começo da invasão. Porém, o pensamento de Lucas é retornar à praia antes do fim do verão.
— Se tudo der certo, voltamos para a virada — comenta o soldador, revelando a “fórmula” que tenta utilizar para conseguir um fôlego para o descanso:
— Nós tentamos não deixar contas para o final do ano e ficar com o 13º salário inteiro liberado para poder vir e aproveitar a praia.
Uma nova forma de pensar o cliente
As mudanças são claras na forma como os veranistas têm se comportado. Possibilidade de aluguéis de casas e apartamentos por sites e aplicativos via internet fizeram com que as adaptações ocorressem para quem faz do litoral e do verão sua fonte de renda. Quando começou a alugar seus primeiros imóveis em Arroio do Sal, há 37 anos, o advogado caxiense Altamiro Boff jamais imaginou que teria que colocar as suas casas em locação por dois ou três dias de um fim de semana, por exemplo. Agora, com o período cada vez mais curto dos veranistas nas praias, isso é uma realidade.
Atualmente, com mais de 120 propriedades no estilo de apart-hotel, Boff usa estratégias para que haja ocupação o maior tempo possível dos quartos e casas.
— Temos alguns elementos para facilitar o preenchimento durante a semana, que é a redução de valores. Senão, a procura é basicamente nos fins de semana — diz o advogado, comentando também sobre um estilo de aluguel que tem aparecido recentemente:
— Tem uma situação que está bastante corriqueira agora, que é a locação de um apartamento para toda a temporada por uma pessoa e ela divide com os familiares ou amigos. Então, vêm os filhos, netos e ficam mais tempo na temporada e os outros vão no final de semana.
Assim como Boff, empreender no litoral também foi a opção de Joel Pagliosa. Segundo o empresário, que trocou a vida de chapeação e pintura por construir casa e alugar no verão, mesmo com a mudança de perfil, a proximidade com o mar segue sendo mais decisiva do que o preço:
— O pessoal aluga mais nessa parte de média de 200 metros da praia, porque fica mais próximo para as famílias e as crianças. É uma cidade turística, então o preço nem sempre sai em conta. Mas tentamos fazer da melhor maneira para que o pessoal possa vir e que os imóveis não fiquem vazios.
Natal, Ano Novo e Carnaval são carros-chefes, mas janeiro promete
A cara do litoral muda totalmente na temporada. Segundo dados levantados pela prefeitura de Arroio do Sal, a população local cresce 1.200%. Durante o ano, são 10 mil habitantes residindo na cidade. Contando as pessoas que têm casa no município mas que não fazem da praia seu principal endereço, são 40 mil. Quando chegam as festas, porém, a ocupação de Arroio do Sal chega em 120 mil pessoas, em períodos médios de, no máximo, quatro dias contínuos – até o dia de Natal, entre o dia 25 e a virada do ano, além dos quatro dias de Carnaval.
— Tanto Ano-Novo quanto Carnaval, a procura é muito grande, pois as pessoas têm folga nesse período. Esse período é de muito movimento. É demais até, porque a temporada é mais tranquila e mais agradável fora dessas datas. Como é muita gente, tem fila no restaurante, no supermercado. É gente demais na praia — afirma Cassia Rick, proprietária de uma das pousadas do litoral que já não têm mais vagas para os festejos de fim de ano e boa parte das ocupações encaminhadas para o período de Momo.
É nesse período que Diana da Luz consegue lotação total de suas seis casas no balneário de Areias Brancas. No caso dela, as habitações estão para locação em uma das imobiliárias da cidade há 15 anos. Para a proprietária, o momento da temporada é decisivo para todo o resto do ano.
— Agora, são dois meses mais intensos, principalmente em janeiro. Em fevereiro, é mais o Carnaval mesmo, depois são raras as pessoas que vêm para cá — afirma Diana, admitindo a necessidade de um cuidado especial das casas para que os turistas as encontrem na melhor condição:
— Para nós, durante o ano, custa caro para manter. Na beira da praia, tem muita ferrugem, vento e umidade. Então, o que a gente ganha no verão mal dá para manter o resto do ano com tudo em dia.
Até por isso, as atenções de quem aluga hospedagens em Arroio do Sal está em mapear todas as datas possíveis em que há o aumento no movimento.
— As escolas e universidades estão começando as aulas mais cedo, então influencia, e a procura é muito maior em janeiro do que em fevereiro. Antes do Carnaval, ainda há um movimento interessante, mas é um público diferente — relata Cássia.
Apesar do grande foco nas datas comemorativas, os empresários de Arroio do Sal trabalham com uma boa perspectiva para o resto da temporada.
— A procura é 30% superior ao ano passado. As reservas também já são bem consistentes. Hoje também buscamos fazer a comunicação através das mídias eletrônicas, e isso chega muito rápido. Então tivemos que nos acostumar — diz Boff, alertando para uma característica evidente no turista atualmente:
— O veranista está cada vez com menos dinheiro e mais exigente. Então nós precisamos de qualidade. Isso é superimportante.
Tempo na praia e para descanso
Outra condição que mudou o perfil de tempo em que o veranista permanece no litoral está no tempo para descanso em casa, propriamente dito. Com o trânsito rumo às praias intenso e com raros horários de tranquilidade — nem mesmo a madrugada tem escapado da lotação das estradas —, muitas famílias têm pego dias antes e depois para descansar na sua própria residência.
A família do operador de máquina industrial Wagner Souza é um exemplo disso. Ele, a esposa Kelen e os três filhos terão um período de 15 dias no litoral, entre Capão da Canoa e Arroio do Sal. Este é o primeiro ano em que Souza tem 30 dias seguidos de férias na empresa onde trabalha. Conseguiu mais dias na praia, mas não todos do recesso.
— Se eu tivesse só uns 20 dias de férias, ficaríamos no máximo uma semana aqui. Como é o mês inteiro, vai ser os 15 dias. Eu me programo sempre para ficar um tempo antes em casa, para descansar um pouco mesmo. Apesar de vir para praia e aproveitar, é cansativa a função da viagem e deslocamento. Então sempre me organizo para ficar os últimos dias das férias em casa também para me preparar para o retorno – afirma Souza, ao lembrar que na infância a estadia no litoral era maior:
– Do tempo de guri, eu lembro, dificilmente se vinha e não ficava quase todas as férias do meu pai. Torcia para que ele tirasse em janeiro para isso.
Além do tempo, a questão financeira para que uma família permaneça tanto tempo na praia segue pesando.
— Ao mesmo tempo em que a gente ouve falar que aumentou a procura, o pessoal que aluga reclama que não tem. Em compensação, os aluguéis, a cada ano que passa, estão mais caros. É difícil a gente colocando preço no que é dos outros, mas acho salgado — diz Souza.
— A maioria pede desconto. Então a gente dá uma baixada para chamar o público também. Temos que entender eles também — admite Diana.
O litoral seguirá como destino de muita gente no verão. Entre quem procura as casas e quem coloca para alugar, sempre haverá o poder de conversa e de negociação. É um mercado que envolve uma quantidade imensa de dinheiro em um período de, no máximo, três meses, mas que garante o sustento de muita gente que vive do litoral durante todo o ano.
O perfil e o tempo na praia mudaram, mas o desejo de quem vai em busca do mar segue o mesmo, geração após geração: encontrar descanso e lazer. Basta só encontrar a maneira que mais se ajuste a seu tempo e dinheiro.