Às vésperas do início da colheita mais abrangente de uvas para a indústria na Serra Gaúcha, a partir da próxima semana, o calor pode trazer grandes prejuízos caso não chova em bom volume nos próximos dias.
Em algumas partes da Serra, os parreirais murcharam, como na região do Vale Aurora, em Bento Gonçalves. Com isso, a uva tem o chamado "amadurecimento forçado". Isto é, mais cedo do que seria o normal, ela atinge uma cor típica de quando está madura e precisa ser colhida, mas não chegou a amadurecer totalmente, não transformando todo o ácido em açúcar. Com isso, a qualidade cai.
— Conversei com o dono de uma fruteira nesta semana. Ele contou que a uva niágara (para consumo in natura) chegou mais ácida — relata o presidente da Comissão Interestadual da Uva, Cedenir Postal.
Conforme Postal, não há como dimensionar ainda o impacto do calor seco nos parreirais; ele explica que os cultivados há mais tempo e, portanto, com as raízes mais profundas, são menos impactadas do que as plantações de um ano, por exemplo. O impacto também depende do tipo de solo.
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Para algumas variedades mais precoces que já encerraram o ciclo de amadurecimento e devem chegar às vinícolas nos próximos dias, pode haver uma perda não em qualidade, mas em peso para o agricultor, segundo o presidente da Cooperativa Vinícola Garibaldi, Oscar Ló. Ele calcula que seriam necessários 30 milímetros de chuva nos próximos dias para evitar mais prejuízos.
— Nesta semana recebemos alguma coisa de concord (uva destinada à fabricação de sucos), bordô e isabel precoce. Mas estão dentro do ciclo esperado. Elas ficam em câmaras frias aguardando o início do processo de fabricação, a partir da semana que vem. As uvas chardonnay e pinot, para espumantes, chegam na próxima semana e também deverão ter boa qualidade e sanidade. Mas, depois disso, poderá haver problemas de qualidade.
Outras plantações também são impactadas
O calor prejudica as hortaliças, interferindo na qualidade, por exemplo, de alfaces, pepinos e tomates. Morangos em estufas também sofrem. O agrônomo da Emater/Serra Ênio Todeschini, especializado em fruticultura, observa também que plantações de pêssego e maçã sentiram o impacto do calor, e ainda alguns produtores que cultivam milho na Serra têm perdas generalizadas. O presidente do Sindicato de Agricultores Familiares de Farroupilha, Marcio Ferrari, destaca que, mesmo com a irrigação, os problemas ocorrem devido à falta de umidade no ar, além do forte calor.
— A falta de umidade faz com que as plantas não se desenvolvam. Elas ficam estagnadas.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caxias do Sul, Rudimar Menegotto, afirma que os problemas são generalizados no município, em todos os tipos de cultura. Ele relata que, em várias propriedades, o nível de açudes tem baixado rapidamente. Nas hortas, mesmo com irrigação, as mudas não crescem.
— A água evapora muito rápido. E, com a água e o sol forte, as mudas "queimam". Acontece o que chamamos de tombamento, que é irreversível.
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A característica irregular da chuva no verão, que não costuma atingir todas as áreas nem cair em grandes volumes, é outra preocupação. Menegotto confirma que pode haver alta de preços por conta da redução da oferta de hortaliças no mercado se o calor seco continuar.
Calor atípico para a época
Conforme o presidente da Comissão Interestadual da Uva, Cedenir Postal, é uma situação atípica. Ele não se recorda de dias seguidos de calor tão intenso nesta época na região; a última vez em que algo semelhante ocorreu foi em 2005.
— Mas, naquele ano, isso aconteceu já na metade do mês de janeiro e, portanto, não impactou a maior parte das uvas para a indústria, que já tinham terminado o ciclo de amadurecimento.
A previsão para esta safra já é de redução de 15% a 20% em relação à anterior, por conta do atraso do frio do inverno, que chegou só em agosto, e do excesso de chuvas na primavera. Se essa situação do calor seco não amenizar, a queda pode ser ainda maior. No momento, o esperado são de 580 mil a 600 mil toneladas de uva colhidas no Estado para a indústria.
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