Era por volta das 9h30min desta sexta-feira (15) quando a auxiliar de rouparia Madalena Santos chegou em frente ao Senai José Gazola, no bairro São José, e encontrou os cadeados nos portões de acesso e o aviso de que os atendimentos só eram possíveis via telefone ou na Escola Mecatrônica, no bairro Cruzeiro.
Moradora do bairro Santa Fé, ela se deslocou até a unidade em busca de uma vaga para o filho de 19 anos. A informação de que o local não está ofertando cursos atualmente a surpreendeu negativamente.
— É uma pena, fiz curso de administração aqui há uns seis anos e era muito bom. Se precisar se deslocar até o Cruzeiro vai ficar mais difícil — comentou.
A unidade José Gazola funciona no bairro São José desde a década de 1980. Porém, no ano passado começou gradativamente a transferir alunos e cursos para a Mecatrônica, no bairro Cruzeiro, onde atualmente são encaminhadas todas as demandas da José Gazola.
A direção regional do Senai não confirma o encerramento das atividades, mas reconhece a interrupção temporária e a incerteza quanto à retomada da oferta de cursos.
— Estamos fazendo estudo de transferência e até agora as manifestações são favoráveis. Os alunos que estavam na José Gazola e hoje são atendidos na Mecatrônica aprovaram a mudança. Mas não existe deliberação do que vai ser feito ali (na José Gazola), se vai ser continuada a operação, se vamos devolver a área — informa o diretor regional do Senai RS, Carlos Trein.
As motivações para a mudança são operacionais e financeiras. Para voltar a utilizar o espaço, seria necessário investimento estimado de R$ 3,5 milhões. O valor seria aplicado para adequações de PPCI, regularização estrutural conforme normas regulamentadoras e melhorias em aspectos de acessibilidade, central de resíduos e modernização de equipamentos.
— O Senai faz a formação profissional para a indústria e, quando a indústria sofre na crise, o Senai sofre na mesma crise. A indústria estando mal, o Senai tem de se ajustar às novas situações. E essa situação exigiu que optássemos por priorizações frente a nossa capacidade de investimento — explica Trein.
Caso o conselho deliberativo do Senai-RS opte pelo encerramento das atividades, ainda deverá ser analisado se o imóvel será devolvido ao município, que doou a área para a entidade na década de 1980. Se essa for a alternativa definida, a decisão também precisará ser avaliada pelo Conselho Nacional do Senai, em Brasília.
Interessados ainda procuram vaga
Por cerca de 15 minutos em que o Pioneiro esteve na frente do Senai José Gazola, dois grupos de pessoas estiveram no local para procurar cursos.
— Não sabia que estava fechada (a unidade). Vim buscar uma vaga para o meu sobrinho de 15 anos. Uma sobrinha já foi aluna aqui e hoje ela trabalha na Randon. Essa localização é bem boa. Se tiver que se deslocar até o Cruzeiro, vai ficar bem difícil para ele — comentou a moradora do bairro Santa Fé Taísa Santos.
Em 2018, 431 alunos estavam matriculados na unidade José Gazola. No local, eram ofertados cursos de ferramentaria, matrizaria, assistência administrativa, auxiliar de logística, eletromecânica e mecânica de manutenção, entre outros.
As turmas foram transferidas para a unidade Mecatrônica, onde foi aumentado número de vagas para 570.
— E podemos ampliar ainda mais — garante o diretor regional do Senai-RS, Carlos Trein.
Com o possível fechamento da unidade José Gazola, o Senai passaria a ter apenas duas filiais em Caxias: a Mecatrônica, no bairro Cruzeiro, e a Nilo Peçanha, no bairro Exposição.
"Culminou que está tudo fechado"
Desde meados de setembro do ano passado, o vereador Alberto Meneguzzi (PSB) busca mobilizar entidades e chamar a atenção para a situação do Senai José Gazola. Durante sessão na última quinta-feira, o socialista fez um desabafo diante do possível fechamento da unidade no bairro São José.
— Sempre falavam que era transferência, que não era definitivo. Então culminou que está tudo fechado — comenta o parlamentar.
Ele cita como comparativo o fechamento do Cetec (Centro Tecnológico da UCS) no bairro Santa Fé em 2017. Segundo Meneguzzi, foi após o encerramento das atividades que o impacto social da medida pode ser mensurado.
— Ninguém dialogou com a comunidade. No São José também. Diziam: "Vamos fechar, ano que vem não tem mais curso, quem quiser vai para o Senai Mecatrônica." Não houve discussão com a Zona Norte. Já fechou UCS, Já fechou Gazola. A região tem muitos jovens vulneráveis, antes de tirar eles lá tem de oferecer outra coisa — afirma o vereador.
Meneguzzi relata que convocou reunião com diretores do Senai, representantes de órgãos públicos e empresários, mas ninguém teria mostrado iniciativa em tentar reverter a situação.
— Quando eu falei a primeira vez na CIC, o que teve foi enrolação por parte da classe empresarial. Houve um silêncio muito grande porque eles (empresários) são os responsáveis por manter o Senai José Gazola e não fizeram nenhum movimento para tentar reverter ou ajudar. O Secretário de Desenvolvimento (Emílio Andreazza) também não sinalizou nada — ressaltou no plenário.
Cada vez menos centros
Procurados pela reportagem, tanto o secretário de Desenvolvimento Econômico, Emílio Andreazza, quanto o presidente da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC), Ivanir Gasparin, negaram suposta negligência em tratar o tema. Ambos, inclusive, afirmaram compreender a argumentação da entidade para a realocação das atividades.
— Não há fechamento, inclusive há aumento de vagas. Quando fomos procurados pelo vereador Alberto, discutimos que ações poderiam ser feitas e prontamente atendemos. Até encaminhamos pedido de aumento das linhas (de ônibus) para estudantes que frequentam a Mecatrônica. Não sei o que o vereador entende que o poder público pudesse fazer... — afirma Andreazza.
— Eu não diria que é justo (o possível fechamento da unidade) socialmente, mas se é inviável economicamente, é o que eles (Senai) têm de avaliar, afinal, seria preciso trocar todo o maquinário — defende Gasparin.
O secretário também salienta que o fato de a estrutura necessitar de melhorias já seria motivo de preocupação em dar continuidade ao atendimento a alunos no espaço. Por outro lado, reitera ser favorável ao maior número possível de centros profissionalizantes com características semelhantes à desempenhada pelo Senai.
— Deveríamos ter mais centros de excelência na comunidade como o Senai, não só na Zona Norte, mas outras regiões onde há jovens em situação de vulnerabilidade — destaca Andreazza.
O diretor regional do Senai, Carlos Trein, também reitera o posicionamento favorável da maioria de empresários quanto à avaliação da entidade.
— Empresários locais, inclusive, sugerem que o Senai integre seus ativos em termos de prédio (funcionamento em um único local). Já chegamos a ter seis pontos de atendimento em Caxias. Transferimos há cerca de um ano e meio o plástico e construção civil para a Mecatrônica com a mesma lógica: estamos ali com melhores condições, racionalizando custos de operação. Isso foi sugerido e aprovado por empresários locais. Nada está sendo encaminhado sem discussão — assegura.
Em nota, a Secretaria Municipal de Trânsito, Transportes e Mobilidade informou:
"Não há registro de pedido de ampliação de horários para a linha do bairro São José do transporte coletivo urbano ao longo do ano anterior. No final de 2018, a pasta foi comunicada pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) de que as atividades realizadas na sede da instituição no São José seriam realocadas para a unidade do bairro Cruzeiro, sendo necessária a adequação no atendimento do transporte público aos estudantes e funcionários para o novo local. Desde então, a SMTTM determinou a ampliação do atendimento ao Senai com as linhas L83 _ Campos da Serra e L87 _ De Zorzi, com reforço em horários de entrada e saída, como 7h, 12h, 13h e 17h."
"O Senai possibilita outra alternativa"
Ao longo dos anos, o Senai já contou com seis unidades em Caxias. Com o passar do tempo, todas foram se integrando para sedes referenciais, mas nenhuma chamou tanto a atenção quanto a interrupção da José Gazola. Isso porque o local comportava uma demanda importante da cidade, especialmente da Zona Norte, onde muitos bairros em situação de vulnerabilidade acabavam tendo facilidade no deslocamento.
— Não é só importante para a Zona Norte, mas para a Zona Oeste também, para quem usa a Perimetral. O Senai forma um triângulo na cidade. Querem tirar uma perna desse triângulo por um valor irrisório de uma cidade como Caxias, que entidades empresariais e até sindicatos poderiam bancar — afirma o ferramenteiro Jonatan Fogaça, 28 anos, cuja formação profissional foi realizada no Senai José Gazola.
Na época em que ingressou no curso de ferramenteiro, Fogaça tinha 16 anos, morava no loteamento Mariani e tinha poucas expectativas sobre o futuro. Hoje, ele afirma ter estabilidade financeira justamente pela base que a formação profissional lhe proporcionou.
— O pobre na faculdade demora um tempo até ter retorno financeiro. O Senai é o inverso disso, já entra ganhando metade de um salário e adquire educação financeira, disciplina, além da aprendizagem industrial, que para nossa região é importante — comenta.
O valor social da localização da unidade, ressalta Fogaça, foi o que trouxe a ele e a muitos outros colegas perspectivas otimistas de vida.
— Nasci no Santa Fé. Lá se cresce com a ideia de trabalhar de pedreiro com o pai e depois em um supermercado. Já o Senai possibilita outra alternativa. Eu sempre digo: o pobre ou pega quartel ou entra no Senai — reitera.
O argumento de que para retomar as atividades seria necessário a renovação do maquinário também é uma justificativa contestada por Fogaça:
— Eles falam na questão da modernização, mas em Caxias quantas empresas aderem a essa modernização? Não digo que não precise, mas para a demanda imediata, o torno mecânico não vai ser abolido, por exemplo.
Devolução
A Secretaria Municipal da Educação confirmou ter avaliado a área para possível implantação de equipamento público no local, caso o terreno seja devolvido ao município. A pasta, no entanto, preferiu não revelar qual projeto poderia ser desenvolvido no local
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