No balcão da padaria crescem as reclamações com queda do poder aquisitivo e o preço do cacetinho. Por trás do balcão, no forno e nas máquinas, o aumento de custos parece ser incontrolável. "Estou mantendo as portas abertas de teimoso", diz o dono de uma rede de padarias de Caxias do Sul. Ele viu a conta de luz, por exemplo, saltar de R$ 48 mil para R$ 70 mil em agosto — alta de 45%. O desabafo do empresário, que está no mercado há 24 anos, alerta para o rastro de consequências deixado principalmente pelos reajustes da energia elétrica, do gás e da farinha de trigo. Pelo menos duas tradicionais padarias da cidade fecharam as portas nos últimos 12 meses devido à crise: a Tia Lola e Veneza.
— É preciso muito malabarismo para sobreviver. Nunca foi tão difícil ser empreendedor. O pequeno não tem vez — declara o empresário (que prefere não se identificar) e que comanda uma equipe de mais de 100 funcionários.
Ele tem razão. Enquanto o pão francês aumentou menos de 10% este ano, devido à redução do poder aquisitivo, a conta de luz teve reajuste de 19% de uma tacada só, em 19 de junho. Sem contar que, no segundo semestre, a bandeira tarifária se mantém vermelha (patamar 2) com custo de R$ 5 a cada 100 kWh (quilowatts-hora) consumidos.
O gás subiu quase 20% e a farinha passou dos 50%. Aliado a tudo isso está a concorrência com os supermercados, que vendem o pão francês a baixo custo para atrair clientes a adquirirem outros itens. Nesta semana, o preço do quilo nas principais padarias e supermercados de Caxias varia de R$ 8,50 a R$ 11,90.
Crise sem precedentes
Caxias do Sul tem, atualmente, entre 400 e 500 padarias em funcionamento, segundo o Sindicato das Indústrias da Alimentação (Sindiali). Dezenas fecham antes de completar um ano de funcionamento, por falta de experiência no negócio. E a tendência é reduzir ainda mais. No mercado do pão há mais de 30 anos, Sadi Antonio Spiazzi, garante que nunca vivenciou um descontrole tão desenfreado nos preços.
— É uma situação sem precedentes. Estamos recorrendo a tudo o que é possível, entanto reduzir custos, diversificando produtos. Mas o custo operacional está cada vez mais alto — aponta o proprietário da padaria Dona Morena, entre as mais tradicionais da cidade.
Ele também aponta a energia, o gás e a farinha como os vilões do processo.
— Impossível se manter competitivo no mercado — alega Spiazzi, que integra a diretoria do Sindiali.
"Estou segurando o que dá"
Roni Prigol ingressou no ramo do pão há 23 anos. Dono da padaria Di Trento, no bairro Santa Catarina, em agosto ele viu o valor da conta de energia elétrica saltar R$ 700 de um mês para outro. Enquanto isso, o preço do quilo do pão francês está congelado há oito meses em R$ 8,99.
— Estou segurando o que dá. Mas não terei outro jeito a não ser reajustar o valor ainda esta semana — reclama.
Além da luz, o preço da farinha, segundo ele está insustentável. Em abril deste ano pagava R$ 30 a saca de 25 quilos. Semana passada estava em R$ 49. Aumento de quase 50%. Isso porque 80% do trigo é importado
—Estamos apavorados. Esperamos que o dólar não se mantenha nesse patamar por muito tempo — explica o vice-presidente do Sindicato das Indústrias de Panificação e Confeitaria e de Massas Alimentícias e Biscoitos do Rio Grande do Sul (Sindipan-RS), que representa as indústrias de panificação no Estado, Arildo Bennech Oliveira.
Donos de padarias também sinalizam a baixa no consumo. Um deles garante que a queda do movimento nos últimos três anos reduziu 30%.
— Para pagar qualquer centavo a menos, os consumidores andam várias quadras. O poder aquisitivo baixou muito em Caxias — diz Prigol.
Impacto do dólar
O bolso dos consumidores caxienses também não ficou imune à alta do dólar das últimas semanas. Os impactos já estão sendo sentidos nos combustíveis e alimentos, cuja matéria-prima está sujeita a moeda americana. O preço do litro da gasolina está batendo a barreira dos R$ 5.
No grupo das commodities influenciadas pela escalada do dólar também está o trigo, que serve de base para pães. Pesquisa da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas) indica que o valor médio de cem gramas do cacetinho passou de R$ 0,79 para R$ 0,86 nas últimas semanas. O Brasil não produz o suficiente e o trigo da Argentina está chegando 40% mais caro no Rio Grande do Sul. Aliás, a importação do trigo estava sendo até alternativa ao aumento no preço do cereal no mercado interno. Mas, além do preço, a qualidade do trigo argentino é considerada mais adequada para a produção de pães.
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