As exigências e o comportamento impostos pela fiscalização do município estariam inviabilizando negócios da agricultura familiar no interior de Caxias do Sul e causando revolta entre os produtores. Dados extra-oficiais indicam que, das cerca de 100 agroindústrias de origem animal existentes desde 1999, mais de 70 já teriam fechado as portas nos últimos anos. Informações de fontes da Secretaria Municipal da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Smapa) revelam que apenas 26 estariam em funcionamento — ou menos de 30%. Mesmo assim, parte delas em processo de adequação e, por enquanto, impedidas de produzir e comercializar seus produtos. No ramo das queijarias, de 20 estabelecimentos, apenas duas ainda estão no mercado — ou 10%.
Aldeonir Sutile está na lista dos pequenos empresários que precisou abandonar tudo o que construiu há 23 anos.
— As exigências e as ameaças (por parte dos fiscais) são tantas que não tem como se manter. Eu desisti — denuncia Sutile.
Ele foi proprietário da queijaria Sabor du Campo, localizada em São Jorge da Mulada, interior de Caxias. Chegou a ter 200 vacas de leite, a coletar 1,8 mil litros e produzir 180 quilos de queijo por dia. Empregou 23 funcionários. No início deste ano, abandonou tudo e, hoje, só mantém o gado de corte.
— A pressão se tornou um tormento. Nos tratavam (as fiscais) como marginais, bandidos — diz, referindo-se à forma como a fiscalização atuava nas visitas.
Rigor exagerado
O médico veterinário da Emater Regional Ricardo Capelli reitera as reclamações e a revolta dos agricultores. Ele informa que o rigor exagerado na fiscalização está inviabilizado os pequenos negócios.
— Nenhum produtor está pedindo para abrir mão da qualidade dos produtos, mas não é coerente exigir das pequenas propriedades os mesmos requisitos exigidos a uma grande empresa do ramo. Desta forma, não tem como competir.
Segundo ele, as exigências são absurdas e não observam a Instrução Normativa nº 5 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, de 14 de fevereiro de 2017.
— A lei municipal se sobrepõe à federal. Se a altura do pé direito do imóvel não é exatamente como está na lei, eles (os fiscais) embargam a produção até que a medida seja regularizada. No que 10 centímetros de parede implica na qualidade? — questiona Capelli.
"Fiscais se comportam como agentes penitenciários"
O presidente do Sindicato Rural Patronal de Caxias do Sul, Valmir Susin, engrossa o número de reclamações. Segundo ele, o tratamento dado às agroindústrias de Caxias é muito diferente do que é dado pela fiscalização dos municípios de Gramado e Bento Gonçalves, por exemplo.
— Lá, eles incentivam a produção. Aqui, eles fecham. Por lá, eles (os fiscais) orientam, aqui eles fecham — acusa o dirigente.
Ele clama pela união para impulsionar este setor em Caxias do Sul.
—Caxias tem grande potencial. É preciso explorar e beneficiar o município.
Funcionários da Secretaria da Agricultura, que preferem não se identificar, denunciam:
— O perfil dos fiscais se equiparam aos de agente penitenciários. As pessoas que estão gerindo a fiscalização não sabem abordar os produtores, não sabem conversar. Eles não têm perfil para esta função — acusa um funcionário.
Ele alerta que o corpo técnico da secretaria não concorda com este tipo de fiscalização e da forma como esses agricultores são tratados pela atual administração.
— O produtor vem aqui tentar buscar a solução de um problema e sai daqui com outros cinco (problemas) para resolver.
"A gente chora o choro da gente"
Antônio Pasquali, 58 anos, é mais um dos produtores que precisou encerrar as atividades de seu abatedouro de cordeiros, em Vila Seca, por conta da fiscalização da prefeitura. Ele conta que abriu o negócio em 1999, conquistou uma boa carteira de clientes e, até o ano passado, o negócio sustentava a sua e mais três famílias da localidade. Investiu mais de R$ 1 milhão e chegou a abater 150 cordeiros por semana.
— Mudou a equipe da secretaria e acabou o bom senso. Não levaram em consideração nossa experiência de mais de 20 anos. Nunca tive problemas com a qualidade da carne. Pelo contrário, os clientes me procuram até hoje para saber quando vou voltar a fornecer. Mas do jeito que está, sem chances de reabrir o agronegócio — desabafa.
As instalações chegaram a ser reformadas, mas hoje estão abandonadas juntamente com dois caminhões.
— Fazer o quê? A gente chora o choro da gente — diz.
"Estamos sendo perseguidos"
Deisiane Vanin da Rosa, 37 anos, é dona da Agroindústria Rosa, na localidade de São Jorge da Mulada, interior de Caxias do Sul. O negócio está embargado pela fiscalização da prefeitura desde dezembro do ano passado. O motivo?
— Melhorias, melhorias, melhorias. Não acabam nunca de exigir — reclama Rosa.
Ela conta que inúmeras vezes pediu orientação na Secretaria da Agricultura. Nunca conseguiu. Com 20 vacas de leite, produzia 25 quilos de queijo por dia. Atualmente, se vira vendendo o leite e acumulou cada vez mais dívidas para tentar regularizar o negócio. Ainda não conseguiu. O prejuízo, segundo a agricultora, chega a R$ 9 mil por mês.
Outra preocupação de Rosa é com a permanência das duas filhas no campo. Ela conta que a mais velha, de 21 anos, herdou dos avós nove vacas de leite. Mas o desânimo é tanto, que pensa em desistir e ir para a cidade procurar emprego.
— Não temos incentivo para continuarmos na colônia. Estamos cada vez mais endividados, pedindo dinheiro emprestado. O bom agricultor não gosta de ficar devendo, ele é honesto.