A falta de frio vai antecipar em pelo menos duas semanas a colheita da uva na Serra Gaúcha. A ausência de um inverno mais rigoroso acelerou o processo de brotação fazendo com que a uva amadurecesse antes do tempo. Este ano, foram 188 horas de frio. A média anual é de 405 horas. As uvas para processamento deverão começar a ser colhidas ainda em dezembro.
— É a primeira vez que isto acontece. Geralmente a colheita começa no início de janeiro — diz o produtor Marcos Manara.
Na propriedade da família Manara, localizada na comunidade de Clementina, interior do município de Pinto Bandeira, um dos cinco hectares de parreirais já está com as uvas bem coloridas. A variedade violeta, destinada para a produção de suco, está amadurecendo 20 dias antes do previsto. As demais, como a moscato e a isabel, também irão para a Cooperativa Nova Aliança, da qual é associado, antes do tempo. A cooperativa também terá que abrir as portas para receber as uvas para processamento antes do dia 15 de dezembro.
— Acho que em fevereiro não teremos mais colheita — prevê.
Aos 24 anos, Manara toca a produção com a mãe, Vilma, 58, e o irmão Mateus, 18. Este ano, ele pretende colher 150 toneladas de uva _ 15% a menos que a safra passada, quando vendeu 170 toneladas. Ele conta que na produção 2016/2017 chegou a cair dois parreirais por excesso de peso.
— Foi uma safra recorde. Nunca vi tanta uva — lembra Manara, que cresceu vendo os parreirais da família produzirem.
Queda na safra
O Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) ainda não tem uma previsão de colheita para este ano. Na safra passada foram colhidas 750 mil toneladas de uva (755 milhões de quilos). Mas o excesso de chuvas e a falta de horas de frio deve impactar diretamente na produção. Os agricultores admitem a queda. O produtor do município de Nova Pádua Ivanor Toscan estima uma colheita 20% menor.
— Muitos pés de videira sequer soltaram as folhas e continuaram a se desenvolver — destaca Toscan, que teve parte da produção atingida pela chuva de granizo do dia 21 de novembro.
O pesquisador da Embrapa Uva e Vinho Henrique Pessoa dos Santos explica que falta de horas de frio — menos da metade do necessário — as chuvas acima da média nos meses de outubro e novembro proporcionou falhas na brotação e abortou parte da floração. Com isso, segundo ele, tem menos cachos nos parreirais e bagas (grãos) irregulares. Segundo ele, o impacto na produção vai ficar entre 20% e 30%. Tendo como base estes dados, a safra deste ano no Rio Grande do Sul deve ficar em torno 600 mil toneladas.
O pesquisador ressalta a importância da dormência da videira que é induzida pelo frio:
— Para a planta "desligar" é preciso o acúmulo do frio. A brotação plena exige uma demanda de horas mínimas de temperaturas baixas (abaixo de 7ºC) para cada tipo de uva (ver quadro abaixo).
Qualidade garantida
Se a quantidade foi prejudicada, o mesmo não deve acontecer com a qualidade, que deve ser melhor que a safra passada. Os caules tem menos cachos e por conta disso a luz solar deve chegar com mais intensidade nos grãos. O teor de açúcar só será conhecido na segunda semana de dezembro, quando as uvas começam a ser colhidas. Na safra passada mais de 50% da produção colhida beirou os 14° Babo (grau glucométrico médio, que representa a quantidade de açúcar). Quanto mais alta a graduação, melhor a qualidade.
O engenheiro agrônomo da Cooperativa Nova Aliança Leonardo Reffatti fala da importância do sol nesta fase para aumentar o teor de açúcar:
— Quanto mais luminosidade, mais cor e sabor — aponta.
Horas de frio
Cada variedade exige uma média de horas de frio (abaixo de 7ºC). Confira algumas delas:
:: Isabel, bordô e niágara: 90 horas/frio
:: Chardonnay: 150 horas/frio
:: Merlot: 300 horas/frio
:: Cabernet: 400 horas/frio