O drama vivido pelos produtores rurais dos Campos de Cima da Serra pode ser resolvido na primeira semana de setembro. Lideranças da região serão recebidas no dia 6 de setembro pela presidente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Suely Araújo, para buscar soluções sobre o impedimento do manejo do campo nativo, após o início da fiscalização do órgão federal.
Segundo o deputado federal Jerônimo Goergen (PP), um dos interlocutores dos ruralistas em Brasília, o governo sinalizou a assinatura de um decreto convertendo as multas em prestação de serviços ambientais.
– Se o governo fizer o decreto, some tudo isso (multas e o embargo das áreas).
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Se confirmar a medida, Goergen diz que será possível analisar com mais calma qual deverá ser a estratégia legislativa.
– Até que se mude uma lei desse porte temos que evitar que punam pecuniariamente os produtores – ressalta.
O assunto foi abordado pelo Pioneiro em reportagem publicada no dia 16 de agosto, quando o Ibama informou que só estava cumprindo a lei.
Encontro de lideranças
Na última terça-feira, lideranças da região se reuniram na sede do Sindicato Rural de São Francisco de Paula e alinharam o documento A Carta dos Campos de Cima da Serra com ações para enfrentar o problema. A chamada “estratégia de urgência” é a liberação das áreas embargadas para que os produtores não percam a produção do ano.
Antes de saberem da reunião já agendada por Goergen com a presidente do Ibama, os produtores decidiram que iriam questionar na Justiça o termo de infração (multa). A classe também pretende buscar a alteração da legislação do Bioma Mata Atlântica para continuar produzindo.
O documento será entregue hoje à Confederação Nacional de Municípios (CNM), no Hotel Continental Canela. O grupo também definiu que irá se reunir com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para apresentar o problema social e econômico que a medida está causando.
As leis da Mata Atlântica e do Código Florestal proíbem o corte ou a retirada do campo nativo sem autorização dos órgãos ambientais.
– O documento tem o peso de 49 municípios e vai tratar da questão social e que gera desemprego – diz Margarete Medeiros Marques, presidente do Sindicato Rural de São Chico.
Quase 60% do orçamento de São Chico está na produção primária
Além do aumento do desemprego, Margarete alerta que haverá o encolhimento das receitas dos orçamentos dos municípios da região com a continuidade da fiscalização do Ibama. Ao todo, 59% do orçamento de São Chico provém da produção primária. O secretário de Agricultura e Desenvolvimento Econômico, Rafael Marques, afirma que a continuidade do cumprimento da legislação vai causar uma catástrofe econômica em toda a região.
– É o segundo tornado de São Chico após serem deflagradas todas as legislações ambientais.
Segundo Marques, de 2008 a 2017 houve um acréscimo na conversão de campo em lavouras de 108% e, no período de 2010 a 2016, o incremento na produção em geral chegou a 270%.
– Com a conversão e a melhoria do campo nativo, de 30 quilos de carne por hectare passamos a produzir até 250 quilos – comenta Margarete.
Para o inspetor do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio Grande do Sul (Crea), Sérgio Paula Couto, é necessário encontrar o equilíbrio entre a produção e a preservação ambiental.
Participaram da reunião prefeitos e secretários municipais, representantes de Embrapa, Crea e Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul).
“Produtores estão desesperados. Isso dói muito”
Sem um levantamento preciso, Margarete afirma que até o momento 12 produtores procuraram o sindicato para buscar orientações de como proceder. Uma informação do Ibama aponta que mais de mil hectares de campo foram multados em toda a região. A dirigente sindical afirma que o município mais atingido é São Chico.
Margarete é uma das produtoras que recebeu a notificação, o auto de infração e o termo de embargo. No dia 16 de agosto, recebeu a multa no valor de R$ 374 mil e está com 53 hectares de pastagem para bovinocultura embargada pelo Ibama.– Eles (Ibama) dizem que destruí. Temos propriedades que estão com 80% a 90% da propriedade embargada.
Segundo Margarete, o Ibama teria aplicado quatro multas para a mesma propriedade: uma para cada um dos três donos da área e outra para toda a propriedade. Ela também conta que em outra situação o proprietário da terra recebeu a multa e o produtor que arrendou a área também recebeu a cobrança.
Assustados com o rigor da legislação, alguns produtores, relata Margarete, estão cogitando a possibilidade de parar com a produção e outros adoecendo pela situação vivida:
– Alguns estão desesperados. Isso é doído. A gente sabe que é um caminho difícil.
O proprietário da Fazenda Três Rios, de São Chico, recebeu multa de quase R$ 1 milhão.
Engessamento da propriedade em exaustão
Para o desembargador aposentado e professor universitário, Wellington Pacheco Barros, que participou da reunião, o movimento é tardio, mas é um embrião de resistência. Em sua manifestação, apontou os caminhos para o início da discussão. Segundo ele, é necessário conduzir um processo de conscientização dos órgãos ambientais e dos deputados para alterar a legislação.
– Existe outra perspectiva de ver o meio ambiente, a do proprietário. O engessamento do direito de propriedade está quase na exaustão. É preciso que se descubra uma forma de sobrevivência.
O especialista em direito ambiental apontou irregularidades nos autos de infração emitidos pelo Ibama. Segundo Barros, existem omissões técnicas que impossibilitam o produtor rural de exercer o “direito pleno ao contraditório”.
– Tenho que saber do que estou sendo acusado.
Na análise de Barros, a lei proíbe o corte de árvores nativas, mas não o uso do solo.
– O bem ambiental não é o uso do solo. O solo é do proprietário. A mata não é minha.