Faturamento em queda, redução de investimentos e desemprego em alta. Essa combinação explosiva, típica dos momentos de crise, dá a tônica no polo moveleiro de Bento Gonçalves. As empresas do segmento vêm definhando nos últimos anos. De 2014, ano anterior ao início da recessão, até 2016, o nível da receita anual das companhias caiu R$ 730 milhões, um tombo de 28%. Já a força de trabalho encolheu 22% nas últimas três temporadas.
O presidente do Sindicato das Indústrias do Mobiliário de Bento Gonçalves (Sindmóveis), Edson Pelicioli, aponta a recente redução do poder de consumo das famílias brasileiras como um dos principais fatores que tem impactado o setor.
– Na crise, uma das primeiras coisas que a população deixa de comprar é móvel. Não é uma prioridade de consumo das pessoas, como ocorre com a alimentação e o vestuário – constata Pelicioli.
Essa situação fica evidente na receita obtida pelas empresas. No primeiro trimestre de 2017, o faturamento chegou a R$ 397,5 milhões. O resultado representa uma queda de 10,3% frente a igual período de 2016, um ano considerado “péssimo” entre muitos empresários do setor. O desempenho até o momento é prenúncio de um 2017 complicado. Se mantido o ritmo dos primeiros 90 dias, o faturamento anual deve ficar abaixo de R$ 1,6 bilhão. Por isso, para Pelicioli, repetir o volume de vendas de 2016 será considerado uma vitória.
A expectativa do setor era por iniciar uma retomada no segundo semestre de 2017. No entanto, os recentes escândalos políticos do país e seus reflexos na economia jogaram uma pá de cal nessa projeção. Agora, a recuperação é esperada para 2018. A volta ao mesmo patamar de negócios pré-crise só deve ocorrer a partir de 2020.
– O que aconteceu nas últimas semanas deve trazer reflexos ao setor. É como se estivéssemos escalando uma montanha e, perto do topo, recebêssemos uma pisada no dedo, que faz escorregar para baixo – compara Vitor Agostini, diretor da Casttini Móveis.
Fabricante de móveis planejados, o nicho mais afetado pela recessão, a Casttini tem visto seu faturamento mensal despencar de 6% a 10% e, por isso, cortou 10 vagas. A recente desaceleração da construção civil no país contribuiu com força para a redução dos pedidos.
Com a baixa demanda, Agostini diz que houve modificações na rotina da fábrica. Desde 2015, os funcionários passaram a trabalhar quatro ou até três dias da semana, em vez dos cinco habituais. Essa foi a saída encontrada para evitar mais demissões.
Efeito cascata
Um dos principais polos moveleiros do Brasil, BentoGonçalves responde por 30% dos móveis fabricados no Rio Grande do Sul e 5% do total de itens feitos no país, conforme o Sindmóveis. Ao todo, são quase 300 empresas do segmento no município. Com números expressivos, o polo costuma responder por até 35% do Produto Interno Bruto (PIB) da cidade a cada ano. Assim, o mau momento do ramo gera uma espécie de efeito cascata na economia de Bento.
– O efeito se dá muito com a perda de arrecadação. Se há menos atividade industrial, isso acaba impactando também no comércio e nos serviços – analisa Silvio Pasin, secretário de Desenvolvimento Econômico do município.
Além disso, o reflexo é visto no nível de emprego de Bento. Desde 2014, segundo o Caged, foram fechados 2,7 mil postos de trabalho na cidade, resultado fortemente influenciado pela participação da indústria.
Os números do polo
Faturamento (em bilhões de R$)
2014 – 2,54
2015 – 2,20
2016 – 1,81
2017 (até março) – 0,39
Empregos
2014 - 8306
2015 - 7194
2016 - 6441
2017 (até março) – 6114
Exportações (em milhões de US$)
2014 – 48,73
2015 – 35,57
2016 – 34,79
2017 (até março) – 7,69
Fonte: Caged, Sefaz/RS, Secex/MDIC e Sindmóveis
Empregos desceram ao menor nível em 10 anos
O polo moveleiro de Bento Gonçalves atualmente conta com 6,1 mil trabalhadores, o que representa quase 20% do total de empregos do segmento em todo o Rio Grande do Sul. O número de postos, entretanto, vem diminuindo. Entre 2014 e o primeiro trimestre de 2017, foram cortados 1,8 mil empregos.
– Estamos no menor nível de emprego desde 2006 – assinala o presidente do Sindmóveis, Edson Pelicioli.
Em maior ou menor proporção, quase todas as empresas reduziram vagas nos últimos anos. Nesse contingente está a Bentec, que enxugou um terço do seu quadro de funcionários. A companhia tinha 150 colaboradores e agora tem 100. Tudo isso em função da queda nas vendas. No primeiro trimestre de 2017, o faturamento despencou 10% em comparação com igual período de 2016.
– Fizemos ajustes nos processos produtivos e renegociamos com fornecedores até chegar ao ponto em que não havia mais o que fazer. E começaram os cortes. Onde tínhamos três pessoas trabalhando por máquina, agora temos uma – conta Henrique Tecchio, diretor administrativo da Bentec.
O dirigente relata que, em meio à recessão, a Bentec retornou ao patamar de faturamento que tinha em 2014. Segundo Tecchio, a companhia mantinha a esperança de que o segundo semestre de 2017 traria o início da recuperação do espaço perdido. A fabricante de móveis havia retomado, ainda que lentamente, as contratações e pensava em novos investimentos. O aumento da instabilidade político-econômica do país fez com que a cautela voltasse a imperar.
– Estávamos percebendo uma melhora, tínhamos feito duas contratações. Precisaria mais gente, mas agora tudo vai depender. É matemático, não tem milagre. Faturou tanto, tenho que gastar tanto e aí contratar ou não.
Alternativas para driblar a crise
Em meio ao cenário de dificuldades, as empresas do polo moveleiro de Bento Gonçalves têm adotado diferentes estratégias para amenizar o prejuízo acumulado nos últimos anos. Nesse sentido, a diversificação no mix de produtos, a criação de novas linhas de móveis e até mesmo o foco no mercado externo são algumas das medidas que ganham força na região.
Na Bentec, a comercialização de móveis planejados vem em queda livre, mas a situação é distinta na Móvel Bento, marca do grupo focada na fabricação de artigos mais populares. A venda de móveis avulsos tem crescido e já representa fatia expressiva no faturamento da companhia. Se antes 85% da receita vinha dos móveis planejados e 15% dos móveis avulsos, agora essa proporção é de 60% a 40% a favor dos planejados.
– As pessoas estavam comprando produtos de maior valor e começaram a consumir móveis mais baratos. Antes, um cliente que queria fazer um quarto planejado gastava de R$ 15 mil a R$ 20 mil. Agora, ele compra uma cama, um roupeiro e uma cômoda e não gasta mais de R$ 3 mil ou R$ 4 mil – explica Henrique Tecchio, diretor administrativo da Bentec.
A desvantagem da fabricação de móveis avulsos, lembra Tecchio, é que a margem de lucro é menor em relação ao segmento dos planejados. Por isso, a empresa também passou a dar mais atenção à exportação, que hoje já representa 10% do faturamento da Móvel Bento. A intenção do grupo é também fechar acordos com construtoras no Uruguai, Argentina e Chile para a venda de móveis planejados para empreendimentos construídos nesses países.
Mercado externo em alta
No primeiro trimestre de 2017, as exportações da indústria de Bento subiram 12,7% no comparativo com igual período do ano passado. O câmbio valorizado, com dólar na faixa dos R$ 3,30, tem deixado os produtos gaúchos mais competitivos no Exterior. O foco no mercado externo tem ajudado algumas empresas a não sofrerem tanto com a recessão. Essa é a situação da BRV, cuja queda na receita foi amortizada pelas vendas internacionais.
Com 50% de sua receita vinda do comércio exterior, a BRV é um caso raro de empresa do polo que não demitiu nenhum funcionário e ainda contratou cinco pessoas em meio à recessão. Atualmente, a fabricante conta com 45 profissionais.
– Colocamos o foco em mercados como o Oriente Médio, Estados Unidos e América Central. Modificamos produtos, caixas e embalagens para fortificar a exportação. Sem dúvida, a exportação vem dando um grande suporte para a empresa (durante o período de crise prolongada) – aponta o gerente de exportações, Rodrigo Benini.
Atualmente, Estados Unidos, Índia, Emirados Árabes Unidos e Colômbia são os principais compradores da BRV. Mesmo assim, nem tudo são flores para a marca. Benini aponta que a instabilidade política vivenciada pelo país prejudica a imagem dos artigos brasileiros no Exterior e pode afetar futuros negócios em solo estrangeiro.