Startup, home office, coworking. Esses são apenas alguns dos termos que nos últimos anos vêm se tornando cada vez mais comuns quando o assunto é mercado de trabalho. A aparição de novas modalidades e de espaços para exercer a atividade laboral evidenciam como a percepção sobre o que é o trabalho ganhou novos contornos e deve merecer debate em datas como o Dia do Trabalho, bem como a previsão adequada pela legislação. O empreendedorismo, a realização de tarefas à distância ou em espaços coletivos são realidades já consolidadas e que a cada dia ganham novos adeptos no mundo e no Brasil. Elas estão presentes cada vez mais em Caxias do Sul.
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O especialista em Sociologia do Trabalho e professor da Universidade de Caxias do Sul (UCS) José Carlos Monteiro destaca que a ascensão de novas formatações de trabalho é decorrente das profundas mudanças tecnológicas vividas pela sociedade ao largo das décadas. A crescente automação e digitalização de processos fez com que uma série de funções deixassem de existir. Com isso, o empreendedorismo e o trabalho autônomo ganharam espaço.
– São alternativas que os indivíduos acabam buscando. Apenas lamento que sejam saídas muito individuais e não coletivas – sintetiza.
Nesse contexto, as próprias universidades acabam servindo de nascedouro de iniciativas empreendedoras. No RS, as principais instituições de ensino possuem incubadoras de startups, estruturas que auxiliam nos primeiros passos de empresas inovadoras de grande potencial. A da UCS, chamada Incubadora Tecnológica de Caxias do Sul (ITEC), já abrigou mais de 50 empresas ao longo de 18 anos. Hoje, o local acolhe 12 companhias.
– As mais de 50 empresas que passaram por aqui têm hoje um faturamento mensal na casa de R$ 5 milhões e geram mais de 400 empregos – afirma Renato da Silva, coordenador da ITEC.
A procura por um espaço na ITEC é elevada. Silva calcula que, para cada vaga que abre, existem, pelo menos, três projetos interessados na incubação. A limitação física faz com que iniciativas promissoras fiquem de fora da seleção. A expectativa é de que a situação melhore nos próximos anos, com a criação de um novo prédio, o que permitirá dobrar a quantidade de startups incubadas.
No Brasil, de acordo com estudo feito pela Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec) até 2012, o dado mais recente, o Brasil tinha 384 incubadoras ativas, que abrigavam 2,6 mil companhias geradoras de 16,3 mil postos de trabalho. Além disso, outras 2,5 mil empresas haviam vencido a etapa de incubação, com faturamento de R$ 4,1 bilhões e 29,2 mil vagas criadas.
Prestes a sair da incubadora
Mesmo com um cargo de chefia e um bom salário em uma empresa, empreender era um sonho que o engenheiro eletrônico Felipe Pizzetta acalentava. Até que, em 2013, logo depois de se formar na faculdade, decidiu levar adiante o projeto de criação da própria startup. Com a ideia de produzir soluções na área de engenharia para diferentes segmentos, ele criou a Pizzetta Soluções em Engenharia. Seu empreendimento foi selecionado pela ITEC e, agora, já está pronto para sair do espaço e ir ao parque tecnológico da UCS, o TecnoUCS.
Aos poucos, Pizzetta começa a colher os frutos da escolha de focar na criação de uma startup. Mesmo diante de um cenário de recessão, a empresa mais que dobrou seu faturamento entre 2014 e 2016. No período, Felipe expandiu a equipe da empresa e passou a contar com ajuda do pai Remi e do irmão Augusto, ambos engenheiros, na produção de soluções. Um dos carros-chefe é um medidor de ordenha, que controla o volume de leite extraído das vacas e ajuda o produtor rural a identificar se o animal está doente.
Pizzeta não se arrepende de ter trocado um emprego pela criação da startup em meio à crise econômica que afeta o país.
– Desde que comecei, tive demanda. Nunca ficamos no negativo, e a ideia é de que ganhemos escalabilidade em breve– diz.O engenheiro prefere não tecer análises sobre as reformas, mas sinaliza que a da Previdência deveria começar pelo setor público, e não pelos trabalhadores da iniciativa privada.
Trabalho remoto e em espaços coletivos
A ideia de que para trabalhar é necessário bater ponto em um local específico, seguindo rigorosamente determinado horário, começa a se tornar coisa do passado. Muitos profissionais autônomos e até mesmo empresas de grande porte passaram a adotar o regime de home office. O trabalho remoto ou teletrabalho se expande de forma acelerada, conforme relata Cleo Carneiro, diretor da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades (Sobratt).
– Hoje quase ninguém vai ao banco pagar contas ou na loja fazer compras, já que se pode fazer isso pela internet em casa. Com o trabalho, é a mesma coisa. Essa é uma tendência alinhada às necessidades das organizações, de redução de custos com um espaço físico. E o trabalhador tem mais qualidade de vida, já que não perde tempo com deslocamento – constata Carneiro.
O dirigente da Sobratt destaca que milhões de brasileiros trabalham remotamente. A entidade encomendou uma pesquisa no ano passado e ouviu 325 empresas no país. A constatação é de que 37% delas têm funcionários que atuam remotamente, seja de maneira parcial ou em tempo integral. Esse percentual, sinaliza Carneiro, tem aumentado a cada ano.
Outro tipo de ambiente que passou a ser utilizado por muitos empreendedores e autônomos é o coworking. O espaço compartilhado de trabalho ajuda a reduzir os custos em relação ao aluguel de uma sala comercial tradicional e também com gastos como água, luz e internet. No país, segundo a Associação Nacional de Coworking e Escritórios Virtuais (Ancev), existem mais de 700 espaços do gênero, com perspectiva de ultrapassar a marca de 1 mil ao final de 2017.
Áreas distintas reunidas em um único espaço
Desde que criaram a própria empresa, os publicitários Caroline Mussoi e Samuel Dutra, sócios da agência Aeroplano, não tiveram dúvidas de que a sede da empresa não seria em uma sala comercial tradicional. No início, por alguns meses, tentaram o home office, mas a opção não agradou. A saída encontrada foi ir para um coworking, o Coletivo Labs. No entanto, após três anos lá, a estrutura fechou as portas, o que deixou Caroline e Dutra órfãos de um espaço para exercer a profissão.
Foi então que surgiu a ideia de criar um coworking na cidade. Nasceu assim, em agosto de 2016, o Apartamento 6, ambiente que hoje conta com nove pessoas e empresas de áreas tão distintas como design, direito, publicidade e administração de empresas. É nessa diversidade que reside um dos principais benefícios desse modelo de trabalho, na percepção de Dutra.
– É um local para trabalhar e trocar contatos. Cada um trabalha na sua área, mas às vezes surgem projetos que são feitos em conjunto – destaca.
Caroline nota que, cada vez mais, os clientes veem como algo natural marcar uma reunião em um espaço compartilhado. Ela menciona que, em muitos casos, há interesse em saber como funciona a rotina em um local utilizado por diferentes pessoas simultaneamente.
– As pessoas ficam encantadas com gente de tantas áreas, profissionais que pensam de maneira distinta e têm comportamentos diferentes, conseguem dividir o mesmo espaço e conviver coletivamente – conta.
Com relação às reformas conduzidas pelo governo, Caroline diz estar a favor da terceirização, já que, para ela, poderia beneficiar a contratação de profissionais em projetos pontuais, conforme haja demanda.
Apego ao trabalho em casa
A costureira Bernadete dos Santos começou a trabalhar em casa devido a uma situação inesperada. Em 2010, a empresa na qual trabalhava estava se mudando de Caxias do Sul para Bom Princípio. Foi então que surgiu a proposta para continuar atuando com confecção, mas desde que fosse no seu próprio lar. Pouco a pouco, Bernadete foi vencendo a resistência à ideia e hoje diz que não troca o home office por nada.
– Não volto mais a trabalhar em firma, vai ser difícil de isso acontecer algum dia novamente. Tive vários convites para voltar a trabalhar em empresas, mas recusei. Em casa, eu mesma faço o meu horário – diz Bernadete.
A flexibilidade nos horários é, para a costureira, a principal vantagem em se trabalhar em casa. Ela ainda destaca que consegue ter um salário, em muitos meses, superior ao que tinha trabalhando em um horário rígido. Nos últimos meses, entretanto, o volume de pedidos caiu significativamente, por conta da crise. Antes, ela produzia cerca de 30 a 40 peças de roupas de ginástica por dia, agora o volume oscila entre 15 e 20 unidades diárias.
Esse é um dos aspectos negativos apontados por Bernadete. Nos meses de baixa demanda, a renda cai e, além disso, ela não tem direitos como férias, 13° salário ou auxílio-doença. Mesmo que não trabalhe mais sob a proteção da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), Bernadete acompanha com preocupação as reformas Trabalhista (aprovada semana passada pela Câmara dos Deputados) e da Previdência posicionado-se contra elas.
– O trabalhador sempre acaba pagando a conta.
Glossário
:: Coworking: Local de trabalho compartilhado por uma série de profissionais autônomos ou empresas. O valor pago inclui os gastos estruturais, como água, luz e internet, e prevê o uso compartilhado de determinados ambientes, como salas de reuniões.
:: Home office: Na tradução literal do inglês significa escritório em casa. O termo ainda é utilizado para designar funcionários ou autônomos que trabalham de casa.
:: Startup: A startup é uma empresa iniciante, mas com grande potencial de crescimento. Em certos casos, pode estar alocada em incubadoras ou aceleradoras, estruturas nas quais permanece por alguns anos até ganhar musculatura suficiente para se manter por conta própria.