A atriz Irene Ravache, que emprestou o estilo às incontáveis personagens que viveu ao longo de 61 anos de carreira, revela com leveza a sua forma de encarar a vida. Seja interpretando Bárbara, em Guerra dos Sexos (1983) ou eternizando a inesquecível Leonora de Sassaricando (1987), quando fez parte do trio de mulheres formado por Tonia Carrero e Eva Wilma, dispostas a arranjar marido, de preferência rico, Irene tem dedicado seu talento à dramaturgia brasileira.
Em Alma despejada, espetáculo que chega a Caxias do Sul neste fim de semana (leia mais a seguir), a atriz vive Teresa, uma mulher que está morta, cuja alma precisa deixar a casa onde viveu por décadas. Como o imóvel foi vendido, ela faz uma última visita ao local tão conhecido. O texto é de Andréa Bassitt e a direção de Elias Andreato.
Depois da Serra gaúcha, a turnê que comemora os 80 anos da atriz segue para Santa Catarina, até chegar ao Rio de Janeiro, em agosto, quando Irene Ravache completa o aniversário histórico. Tudo isso e sua relação com a televisão e o teatro são alguns dos assuntos da entrevista que ela concedeu ao Pioneiro.
Como tem sido a repercussão da peça? Qual sua expectativa aqui para a Caxias?
É sempre uma estreia. Mesmo que venha precedido de um sucesso, cada estreia é particular, é única, importante. E mesmo que eu tenha muitos anos de carreira, são 65 anos já, dá frio na barriga. O coração acelera porque é uma expectativa, um público diferente, novo. Então, é a primeira vez.
Como tem sido a sua passagem pelo Estado?
A recepção que eu tenho tido, que tive em Porto Alegre, foi muito bonita, porque nós fizemos duas semanas no Teatro São Pedro, que é um teatro icônico, e esteve lotado nessas duas semanas. Pelas ruas, as demonstrações de carinho são muito frequentes, e aqui em Caxias está sendo bastante parecido, as pessoas me abordam com muita gentileza, com muita simpatia. Perguntam: "é você mesmo, Irene?". Eu estive em Caxias em 1963. Lá no início da carreira, então. Olha quantos anos!?
Não tinha voltado para cá desde então?
Não. Foi um intervalo longo demais, tinha de ter vindo. Só passei uma vez no final dos anos 1990. E eu não reconheci a cidade quando cheguei. Ela é tão grande, não é? A lembrança que eu tinha de Caxias é de uma igreja (de São Pelegrino) com as pinturas de Aldo Locatelli, que eu fiquei muito impressionada na ocasião.
Quem for ao Teatro Murialdo pode se preparar para que tipos de emoções?
Muito humor, com leveza, com delicadeza, com poesia. E o espectador se diverte e fica cúmplice daquela mulher. Um fantasma? O que é que ela é? O teatro proporciona isso, o ator propõe e o espectador embarca. É muito divertido. E muito bonito também, tem momentos muito poéticos.
Os seus personagens sempre tiveram boas doses de humor. Esse é o seu traço ou foi se adaptando às personagens?
É uma característica minha, minha personalidade e, evidentemente, não é para todos os personagens que eu posso emprestar. Mas, o meu tipo de trabalho é lembra muito a linha, por exemplo, de alguns cineastas. O Woody Allen é um cineasta assim, mesmo ele tratando de algo dramático, é leve. O Pedro Almodóvar é outro que conduz os trabalhos assim. Ele está tratando de um assunto, às vezes, muito difícil, mas mistura a comédia junto, mistura o humor. Por que eu faço isso? Porque eu acho que a vida é assim. Na minha própria vida, quantas vezes, num momento, difícil, perigoso, delicado, o humor vinha e salvava. O bom humor salva, ajuda a gente.
Quando você fez vilãs também teve esse lado mais sarcástico, né?
Sim, sim. Eu fiz duas vilãs, uma em Pega-pega (2017), a outra foi a Condessa (Condessa Vitória, personagem de Além do Tempo, de 2015). A Condessa era sarcástica, né? E a Sabine de Pega-Pega era mordaz.
Você já afirmou ser uma pessoa cética, que não sabe se acredita em reencarnação. Em "Além do Tempo" a temática era parecida. Como é agora fazer um trabalho sobre o despejo de uma alma?
Como eu não tenho certeza da reencarnação, eu não posso dizer que acredito. E ainda vou além. Se alguém chegar e me disser que tem provas, eu não quero saber. Eu acho que esse é um assunto que não me compete, sabe? Sempre pensei assim. O que vai acontecer depois? Vai ser um momento tão único, tão absolutamente avassalador, que quero ser surpreendida por ele, e não já ir de olhos fechados, sabendo. "Ah, é esse o caminho". Não! Eu acho que isso é um respeito que eu devo ao mistério. Não compete a mim, compete a alguém que esteja orquestrando tudo isso, e eu sinceramente espero que tenha. Compete a esse grande orquestrador, né?
E o teatro é a sua grande paixão?
Eu sou muito grata aos três veículos que trabalho, pelo que eles me proporcionam, me deixam ter conhecimento e contato com o público de maneiras bem diferentes, e todas muito proveitosas para o artista. O que acontece é que no teatro você está por inteira. Você é cabeça, tronco e membros. Então, você tem que estar com a sua melhor voz, a melhor saúde. Teatro é uma exposição muito grande. Não posso gravar. Se errar, tenho que consertar ali, na frente das pessoas. Então, talvez seja o veículo que mais se ouve o artista, como o circo, como a dança, apresentação de um músico, ele está ali por inteiro. Um espetáculo só acontece quando você tem uma plateia, senão vira um grande ensaio. Então, você vai preparado para esse encontro, e o encontro é cheio de adrenalina.
Como é para você acompanhar toda essa transição da TV brasileira, de novela para séries, com toda uma cultura vivendo uma adaptação?
Não é só para o artista, mas para o público também. O público brasileiro é um ator coadjuvante da novela. Por que eu estou falando isso? Porque, se nós desenvolvemos, se nós aprendemos a fazer a melhor novela do mundo, nós temos o melhor espectador de novela. Quem é que vai dando o aval? É o público. Então, o público de novela sabe mais delas do que os próprios autores e diretores. A TV aberta ainda é a televisão da maioria dos brasileiros e continuará sendo assim por muito tempo. Eu acho que a própria televisão está revendo seus formatos, seus tamanhos e seus conteúdos também.
A alma está sendo despejada. E para onde ainda vai Irene depois de Caxias?
Depois daqui vou a Santa Catarina. A peça também passa por Belo Horizonte e, em agosto estreamos, no Rio de Janeiro. Eu moro em São Paulo desde 1967, mas eu sou carioca.
E vai comemorar aonde os 80 anos, pois você faz aniversário no dia 6 de agosto?
Vou comemorar meus 80 em São Paulo. Mas já estou comemorando, e com as pessoas que me permitiram ter esta profissão, que é o público, é o meu público.
PROGRAME-SE
- O quê: espetáculo "Alma despejada", com Irene Ravache.
- Quando: sábado (23), às 20h e, domingo (24), às 18h.
- Onde: Teatro Murialdo (Rua Flores da Cunha,1.740 - Caxias do Sul).
- Quanto: ingressos entre R$ 60 e R$ 150, à venda no site Sympla.