Laços de família são fortalecidos e amizades são formadas ao redor de uma paixão nacional. Entusiastas reúnem-se em clubes de carros e outros veículos para compartilhar experiências e, em alguns casos, um sentimento permanente de nostalgia. Há grupos para todos os gostos e estilos. Em Caxias do Sul, são pelo menos sete cadastrados na Federação Brasileira de Veículos Antigos (FBVA). Já na Serra, são 21. O número, obviamente, é maior já que nem todos os clubes são voltados ao antigomobilismo.
Quem atesta isso é o diretor regional da FBVA, Adelar Colombo. O dirigente, responsável por auxiliar os clubes locais com orientações, vê ainda a criação de uma rede de conhecimento, uma característica marcante dos grupos e que também ajuda a reunir os aficionados.
— Muitas dúvidas, também procuramos o pessoal dos clubes. Tem carros que eu conheço bem. Agora, tu pega um carro da década de 30 ou 40, por exemplo, já eu não tenho conhecimento, mas outra pessoa conhece bem. Então, trabalhamos juntos — descreve Colombo.
Cultura e família
Um clube que surge da homenagem a um dos carros mais populares do mundo, retratado no cinema com Herbie ou Bumblebee (derivado de Transformers), tem como lema a união e a preservação da cultura do antigomobilismo. Completando 20 anos em 2023, o Caxias Fusca Clube, com cerca de 30 associados, virou uma grande família. Entre as histórias de passeios a destinos como Curitiba e Uruguai, o atual presidente Jonatas Rodrigues, 42 anos, e Diego Farina, 50, detalham o estilo de vida que envolve muita nostalgia e que como dizem bem-humorados, "faz correr ferrugem e não sangue nas veias".
— Vou te resumir o que é este estilo de vida: novas amizades, passeios e descontração familiar, porque tu leva tua família. Todo mundo junto, todo mundo fica no mesmo hotel, todo mundo compartilha dos mesmos momentos e isso pra nós é o mais gratificante. Não é apenas um clube, o Caxias Fusca Clube é uma família. Ele acolhe todas as pessoas. Temos uma cultura em que preservamos a família e os amigos — declara Rodrigues, conhecido como Turbo Men pela paixão a motores potentes.
Antes voltado aos carros Volkswagen a ar (aqueles com motor a ar, como o próprio Fusca ou Kombi), o clube abriu a ala Classics, convidando donos de colecionáveis de todas as marcas a participar do grupo.
O que acaba reunindo todos é a nostalgia. Passear nos veículos antigos para eles, adquiridos ou conservados por conta das boas memórias da juventude com a família, é como entrar em uma máquina do tempo. Um momento próprio em um passeio contemplativo.
— Com esse carro aqui (aponta para o Fusca 1980 série Prata), tu abre o vidro, bota o braço para fora, vai andar a 80 quilômetros por hora com segurança e vai olhar lugares que tu passa toda hora e não vê — descreve Farina.
A união leva também a um lado social. Durante todos os Fuscaxias (neste ano, o 20º será 10 de dezembro no estacionamento da UCS), o grupo recolhe a doação de alimentos. A doação, de encher Kombi, é feita para uma entidade de Forqueta. A ação, para o grupo, é gratificante.
Exemplo
Além de passar o amor para outras gerações, o Fusca Clube também busca dar um bom exemplo para a preservação dos veículos antigos. O clube foi um dos primeiros da FBVA a utilizar a placa branca com letras cinzas. Conforme o regramento, o modelo é para carros colecionáveis, aqueles com 30 anos ou mais, e que tem alguma modificação ou seja customizado. Enquanto a placa preta é para os veículos colecionáveis com 80% ou mais de originalidade.
A área dos buggys
Um dos derivados do Fusca é o buggy. Engana-se quem pensa que o veículo leve faz sucesso apenas no litoral. Em outubro de 2020, Diego Farina, do Fusca Clube, e Jovani Pereira, 40, se conheceram em uma loja de pneus. O que deu início a amizade foi um pneu de buggy que Jovani estava comprando. Não demorou muito e um grupo no WhatsApp foi criado para o Área 54 Buggy Club RS - que já está além da Serra com mais de 130 integrantes, tendo até dois em Santa Catarina.
Me levou a trabalhar com carros em função dessa paixão. Às vezes, uma referência, uma paixão, quando somos pequenos, transforma a vida
BERNARDO MAINERI
apaixonado por buggy
— É outra vibe — conta Pereira, sobre andar no buggy e ter a sensação de tranquilidade do vento batendo no rosto.
Pereira, inclusive, está sempre incentivando os membros e encontrando novos amigos. Um deles é o administrador Bernardo Maineri, 31, que foi a um Fuscaxias de buggy, em 2019, e recebeu o prêmio de destaque do evento. Meses depois, Pereira o procurou para o Área 54. Maineri vê que o clube fez com que os donos voltassem a usar mais os veículos. Teve até quem estava com o buggy à venda e desistiu depois de conhecer o grupo.
— Com a turma, inverno e verão, o pessoal vai — relata Maineri, que herdou o veículo do pai dele.
O clube também promove os passeios e reúne os momentos especiais, antes vividos individualmente - como Pereira que todo domingo de manhã leva a filha para "dar um rolezão" ao som de AC/DC.
Criador de buggy junto no grupo
O clube cresceu tanto desde a criação que Eduardo Miranda Santos, criador do buggy Emis - bastante popular entre os bugueiros, juntou-se ao clube. Maineri e Pereira revelam que Santos dá muitas dicas e também envia mensagens emocionantes aos membros do Area 54.
— Ele diz, "Pra mim é uma alegria ver tanta gente apaixonada pela minha criação" — conta Maineri. O grupo espera enfim encontrar pessoalmente o criador do Emis em um evento que será realizado em breve em Porto Alegre.
Essa paixão, inclusive, muda vidas, como é o caso do próprio Maineri:
— Me levou a trabalhar com carros em função dessa paixão. Às vezes, uma referência, uma paixão, quando somos pequenos, transforma a vida.
Um novo perfil
Há mais de 30 anos, a paixão - especialmente por carros antigos - é vivida pelos integrantes da Sociedade Caxiense de Automóveis Antigos (SCAA). O atual presidente, Sandro Hecher, 51, vê que o gosto cresceu com o passar dos anos. No início eram dez membros e "difícil de achar quem gostasse". Hoje, são 80 integrantes e reuniões mensais com 50 a 60 pessoas - fora outros encontros.
O assunto principal são os carros e uma constante troca de dicas e informações sobre os modelos, peças e restauros - sempre com boa comida e bom-humor. Além dos encontros, o grupo organiza passeios e coloca os veículos para rodar. Assim como outros clubes, esse plano também inclui as famílias, o que é importante para o grupo. Como observa Hecher, isso faz parte do novo perfil do apaixonado pelo carro antigo, que quer um modelo para poder andar com frequência e não apenas exibir em exposições.
— Agora está mudando o perfil. Os carros mais antigos, da década de 40 ou 50, são mais limitados para viajar. Então, o pessoal está buscando mais aquele carro dos anos 80 ou 90 — percebe o presidente da Scaa.
O próprio empresário tem três veículos antigos, incluindo uma moto Vespa, e gosta de utilizá-los no dia a dia. Hecher revela que sempre existe a pretensão de ter mais, mas que para muitos sócios do clube, o limitador é justamente o espaço físico para guardá-los.
— Eu uso o meu direito. Tem quem não gosta de usar. Eu gosto de usar, todo o dia. Com um ou com outro — diz o empresário, que tem ainda um Fusca e um Uno.
Resgate da história
O gosto pelos carros antigos também é resgatar a história por meio dos automóveis. A partir de uma herança inesperada, em 2017, o Scaa restaurou e tem hoje um Chevette País Tropical (em homenagem a Jorge Ben Jor e a popular canção dele), com apenas 300 unidades produzidas em 1976. O veículo era de uma professora universitária de Caxias, que faleceu e deixou no testamento que o veículo fosse para algum museu ou associação. Foi assim que o clube recuperou o carro, que pode ser visto nas exposições que a SCAA participa.
O próximo desafio, agora, é recuperar a moto do padre Eugênio Ângelo Giordani, primeiro pároco da Igreja de São Pelegrino e figura histórica do município. Nesse momento, o clube procura peças para montar novamente a motocicleta BSA.
Expansão dos clubes
Não só em Caxias encontram-se aficionados. Em Flores da Cunha, um grupo de opaleiros, que se reunia desde 2008, acabou fundando o Nostalgia Hot Rods e Antigos (NHRA) em 2016, abraçando outros modelos de veículos antigos. O fundador e ex-presidente, Roberto Toscan, 51, lembra que o clube está com cerca de 100 sócios e sede no Parque da Vindima. Foi mais uma família que surgiu ao redor dessa paixão.
— Tem que gostar, se não gosta, não adianta. Botamos até o nome do grupo porque temos carros de tudo que é tipo. Pra nós, no nosso clube, não quer dizer se o carro tá 100% perfeitinho. Tu tem teu carro de 10 mil, tu tem e tu gosta? É teu e pronto. A gente não quer dizer se vale 100 ou 200 mil. É tudo assim. Tem teu carro, tá valendo e pronto — conta o gerente de frota de caminhões.
Como o nome do clube já diz, o gosto surge também pela nostalgia. Toscan, que tem um Opala e um Landau, lembra que sempre teve carros desses modelos. Hoje, ele também cuida de uma coleção de 23 veículos do patrão.
— Desde os 18 anos sempre tive Opala, Chevette, Fusca. Eram os carros que a gente conseguia comprar na época. Sempre gostei, então foi indo. Sempre tive — recorda o gerente.
Encontro marcado para os aficionados
Todos os amantes do antigomobilismo, como os citados na matéria, já têm uma data para um grande encontro. Entre os dias 17 e 19 de novembro, no Fundaparque de Bento Gonçalves, é realizado o 30º Encontro Sul-Brasileiro de Veículos Antigos, organizado pelo Veteran Car Club dos Vinhedos e FBVA.
Conforme a organização do evento, é esperada a reunião de 800 modelos e um público visitante que ultrapasse 15 mil pessoas. Além de carros, o público poderá conferir ainda motos, bicicletas, ônibus e caminhões.
— O público pode esperar muitas novidades. Muitos carros inéditos em mostras virão de vários Estados, enquanto outros são daqui da Serra, porém raramente vistos nas ruas porque estão muito bem guardados na garagem de seus donos — conta o presidente do Veteran Car Club dos Vinhedos, Ricardo André Rech.