Cerca de 5% da população vai sobreviver a algum tipo de câncer e, por isso, cada dia mais esse assunto, que ainda é considerado tabu, deve fazer parte do cotidiano e ser encarado de frente. Essa é a constatação do médico oncologista André Borba Reiriz, que atua em Caxias do Sul no tratamento e diagnóstico do câncer.
— Eu costumo dizer que o maior risco que o paciente corre, após o diagnóstico de câncer, é o “risco de ficar bem” e de encontrar a solução. E isso não é só um discurso motivacional, é um discurso que está alicerçado em fatos — defende Reiriz.
Atualmente, segundo o médico, uma em cada 20 pessoas terá uma história de enfrentamento ao câncer para contar. No entanto, o índice de cura e a superação é muito maior em função dos recentes avanços da medicina e da ciência.
— No passado, isso não acontecia pela carência de diagnóstico precoce e pela carência de tratamento. Então, as pessoas morriam muito mais facilmente pelo câncer. Nos anos 1970, dois em cada cinco pacientes com câncer estariam vivos em cinco anos de tratamento. Hoje, dois em cada três. A descoberta do câncer não é o final da vida — afirma.
O que antes se resumia a uma cirurgia para retirada de um tumor ou um diagnóstico de morte, atualmente, salienta o médico, há mais esperança no horizonte. Com tratamentos como quimioterapia, radioterapia e imunoterapia, pacientes que são diagnosticados com câncer têm oportunidades e opções de tratamento que podem, de formas diferentes, curá-los da doença. No entanto, reconhece Reiriz, o diagnóstico ainda assusta. Ele explica que, no papel do médico que precisa confirmar o diagnóstico ao paciente – e nem sempre é de alívio – o cuidado com a comunicação é fundamental.
— O processo de comunicação médica é o de adequação de expectativas. O que eu tenho que fazer quando eu vou comunicar: eu tenho uma compreensão da doença, sei quais são os caminhos, qual é o significado do diagnóstico, quais são as nossas perspectivas — explica o médico.
A importância dos exames de rotina
De acordo com o médico, o objetivo das campanhas do Outubro Rosa são incentivar e encorajar as mulheres para as ações preventivas. É importante, reforça Reiriz, consultar um ginecologista e informar ao médico sobre o histórico familiar e, pelo menos uma vez ao ano, fazer os exames de rotina.
A descoberta do câncer não é o final da vida.
ANDRÉ BORBA REIRIZ
médico oncologista
Atualmente, o Ministério da Saúde recomenda que o exame seja feito a cada dois anos em mulheres com idade entre 50 e 69 anos. Abaixo dos 40, a mamografia pode ser indicada para mulheres com suspeita de síndromes hereditárias ou para complementar o diagnóstico, em caso de nódulos palpáveis e se o médico determinar esta necessidade.
— As mulheres devem fazer a mamografia. Quando elas fazem o exame, o risco que elas têm é de nunca ter problema com o câncer. Se ele for diagnosticado através de uma momografia, o maior risco que ela corre é de encontrar a solução e de encontrar cura — salienta André.
O médico pontua que, em casos de diagnóstico precoce, em uma boa parte dos casos não é necessário fazer tratamento com quimioterapia.
— Eu tenho certeza que quem faz esse exame rotineiramente, comparado com quem não faz, ao diagnosticar seu câncer, ele será diagnosticado numa fase suficientemente inicial para curar mais do que aquele que não faz o exame de rotina — afirma.
Câncer de colo de útero
Além do câncer de mama, o de colo de útero tem sido uma realidade entre as mulheres. De acordo com o médico oncologista André Reiriz, essa é uma doença em que o Brasil é protagonista em número de casos avançados. A causa disso, segundo ele, é que as pessoas não buscam as avaliações preventivas ginecológicas.
— São pacientes que têm que buscar atendimento numa idade jovem, porque a forma de transmissão do dano que vai levar ao câncer é sexual, por meio do HPV (Papilomavírus Humano), que vai causar algumas alterações na célula e que podem transformá-las em células malignas algum tempo depois.
Para evitar o câncer de colo de útero, é indicada a vacinação também dos adolescentes contra o HPV. No Brasil, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), a vacina está disponível de forma gratuita para meninas e meninos de nove a 14 anos. Além disso, os exames ginecológicos anuais são importantes.
— Para proteger um jovem com vida sexual ativa, é necessário vacinar a criança. Isso não significa sexualizar a criança — destaca.
Diagnóstico: câncer de mama. E agora?
— Quando eu cheguei no consultório o médico me recebeu e eu vi o semblante dele. Ali eu sabia que vinha uma notícia ruim.
Foi assim que a modelo caxiense Clariana Fioreze, 36 anos, definiu o sentimento de quando foi diagnosticada com câncer de mama, em outubro de 2022. Ela conta que na época já vinha sentindo uma dor diferente no seio, mas imaginou que tivesse alguma relação com o período menstrual.
— Eu achava que era normal. Marcava a consulta com o médico, e, quando chegava na semana da consulta, se eu tinha um trabalho, eu desmarcava. E fui adiando a ida ao médico... Um dia comecei a fazer o autoexame, sempre em pé, e não achava nada. Nunca iria imaginar que eu estava com câncer. Noutro dia, deitada na cama, refiz o autoexame e encontrei um nodulozinho bem perto da costela —conta.
Foi nesse momento que ela decidiu ir ao médico. No dia seguinte, consultou com o especialista, que solicitou a ela uma biópsia, porque o histórico familiar é de muitas mulheres com câncer de mama. Em cinco dias, o resultado saiu e veio o diagnóstico: câncer de mama.
—Parecia que era um filme, que não era real, que não estava acontecendo comigo. Demorou muito para cair a ficha. Ele não disse “tu está com câncer”, ele falou “temos uma lesãozinha” e me empurrou o laudo do exame, que dizia carcinoma. Mas eu já entendi — relembra.
A partir daí, começou a corrida em busca de exames para descobrir se não havia metástase, quando as células do câncer se desprendem do tumor principal, entram na circulação sanguínea ou linfática e, por meio dela, se disseminam. Esse processo, Clariana define como “aterrorizante”.
Depois dos resultados, ela descobriu que tinha um câncer avançado localmente, no grau três, um dos mais graves da escala. Na noite em que fez os primeiros exames e recebeu os primeiros laudos, Clariana lembra que tentou ler os diagnósticos ao lado do marido, o artista visual caxiense Vinícius Guerra.
— Naquele momento eu aprendi a não ler mais os laudos e só levar aos médicos. Eu pensava: “meu Deus do céu, vou morrer”. Naquela noite, foi muito difícil, porque eu fiquei com muito medo de morrer. A gente se abraçou e chorava muito."Foi um momento que eu precisei muito de apoio".
Apoio desde a primeira consulta à última sessão de quimioterapia
O tratamento de Clariana tem sido um dos períodos mais desafiadores de toda a sua vida. Ela reforça a importância do apoio que recebe do marido, Vinícius, durante cada etapa do processo.
“Parecia que era um filme, que não era real, que não estava acontecendo comigo. Demorou muito para cair a ficha”.
CLARIANA FIOREZE
modelo
Entre o diagnóstico, em 20 de outubro de 2022, o início do tratamento, em 17 de novembro do mesmo ano, até a última sessão de radioterapia, que ela fez na terça-feira passada, ela diz que o suporte e o carinho do marido fazem a diferença.
— Eu optei por fazer a retirada das duas mamas, a chamada mastectomia bilateral, e fiz uma reconstrução. Já saí do hospital com as próteses. Isso é muito legal, porque para a mulher, essa questão da estética é muito importante. Eu fiquei super satisfeita com o resultado. Nem me sinto uma pessoa mastectomizada — brinca.
O tratamento foi levado com o máximo de leveza possível pelo casal. Ela afirma ainda que o fato de cuidar da saúde, mesmo antes do diagnóstico, com base em uma alimentação balanceada, conciliando com exercícios físicos, propiciaram que os efeitos colaterais fossem mais leves.
Reconquista da autoestima
Clariana diz que o suporte do marido também foi fundamental para que ela pudesse focar no cuidado com a saúde.
— Eu me afastei do trabalho nesse momento, porque o foco foi 100% na cura. Durante todo o tempo, eu tinha certeza que eu ia me curar — conta.
“Dá muito medo. Não vou dizer que foi fácil, não foi nada fácil”.
VINÍCIUS GUERRA
artista visual
No entanto, o tratamento não foi fácil. Ela conta que, por muitas vezes, se olhava no espelho e não se reconhecia no reflexo.
— Quando meu cabelo começou a cair busquei terapia. Foi um dos momentos mais difíceis para mim. Mas, nesse momento, eu via o Vini, que me achava linda e eu via que era de verdade. No momento que eu estava me sentindo mais horrível, esse companheiro foi tudo para mim. Eu sei que eu até sobrecarreguei ele um pouco, porque é a pessoa que eu mais queria que estivesse do meu lado e sempre esteve — reconhece Clariana.
Vinícius revela que essa fase tem sido de amadurecimento do casal.
— A gente não é mais criança há muito tempo e eu acho que foi um pedido para encararmos a realidade. A realidade pedia que eu desse a mão, que eu amasse ela, que eu cuidasse, que fizesse o possível e o impossível para que aquela situação passasse da melhor forma. Dá muito medo. Não vou dizer que foi fácil, não foi nada fácil — revela.
Alimentação saudável
O cuidado com a alimentação e com a saúde mental fizeram a diferença no tratamento de Clariana Fioreze e são tópicos que merecem atenção nas ações de prevenção para quem está em tratamento.
De acordo com a nutricionista Jordana Ribeiro, manter uma alimentação adequada e saudável proporciona qualidade de vida, além de contribuir para a prevenção do câncer e outras doenças.
Nesse sentido, a profissional indica que a alimentação seja baseada em alimentos in natura ou minimamente processados (como frutas, legumes, verduras, cereais integrais, feijões e outras leguminosas). Outra dica é evitar os alimentos e bebidas ultra processados.
— Procure manter uma rotina alimentar, respeitando os horários de realização das refeições e evite pular refeições, ficando longos períodos em jejum. A alimentação adequada e saudável pode e deve ser saborosa, além de suprir todos os nutrientes que o nosso corpo precisa. Outro conselho é beber, no mínimo, dois litros de água por dia — explica Jordana.
"Mantenha uma rotina", diz a nutricionista Jordana Ribeiro
- O ideal é fazer pequenas refeições, com intervalos de tempo menores entre elas.
- Não pular as refeições, mesmo que não tenha vontade de comer.
- Para os enjoos e vômitos, que também são frequentes durante o tratamento, a dica é não ficar muito tempo sem se alimentar.
- Evitar beber líquidos no mesmo horário das refeições.
- Em tratamento, evitar alimentos como frituras, gordurosos ou oleosos, muito quentes, picantes ou muito condimentados e alimentos muito doces e com odores fortes.
Como lidar com a incerteza do futuro
A psicóloga Raphaele Colferai diz que muitas vezes a dor física intensa, percebida ao longo do tratamento, pode ser causadora de um estresse psicológico.
— Isso ocorre por conta da dor, mas também por conta das várias perdas que acontecem na vida dessa pessoa. Às vezes, ela não consegue continuar trabalhando, tem problemas financeiros e não consegue continuar se relacionando com as pessoas por conta do tratamento. São preocupações importantes, como a incerteza no futuro e o medo da morte. E isso pode levar a níveis mais altos de ansiedade e depressão — salienta.
Para manter a saúde mental em dia, ela afirma que é importante entender e reconhecer as mudanças que devem ocorrer na vida. É importante ainda que se mantenha na rotina atividades que são prazerosas.
— É importante poder fazer as mudanças e as adaptações necessárias, porque, por conta do tratamento e do diagnóstico, muitas vezes o que acontece é que a vida vai se restringindo. Então, é importante fazer as mudanças necessárias e se adaptar a esse novo contexto para que a vida da pessoa não se restrinja, para que ela ainda consiga ter contato com pessoas importantes, ainda consiga estar em contato com os valores dela, com aquilo que é importante e com o que dá sentido a ela — pontua a psicóloga.