O dilema de um texto de apresentação de exposição é respeitar o limite do que precisa ser dito e o que precisa ser omitido. Explico melhor. Na arte contemporânea não há um manual de como as obras devem ser apreciadas, tampouco interpretadas ou compreendidas. No entanto, uma exposição é construída a partir de uma narrativa que apresente, de uma forma clara, a relação do artista com esse mundo de múltiplas vozes, possibilidades e linguagens. Mesmo que a relação do artista com esse mundo seja caótica, provocada por choques e confrontos.
Dito isso. Talvez, a melhor forma de se definir a mostra Jardim de Roccas, da artista caxiense Cristina Lisot, seja o neologismo “transversar”. Uma mistura do conceito de transversalidade, que tece relações entre conhecimentos sistematizados e as questões da vida real, com uma capacidade de versar poéticas não-verbais que a artista tem desenvolvido. É mais simples do que parece. Segue o fio.
A exposição que a Cris abre hoje, às 19h, na Galeria Municipal de Arte Gerd Bornheim deve ser percebida por camadas. Essa é a palavra-chave de um trabalho que atravessa diferentes linguagens, técnicas e materiais. E cada um deles conversa com as experiências da artista, que está no meio de uma travessia do que ela mesma chama da caixa-preta cênica (simbolizando seu tempo como bailarina) em direção ao cubo branco (simbolizando a galeria de arte).
— Estar na Galeria Gerd é muito simbólico. Para sair do palco, um lugar seguro e que conheço, que é o teatro, para esse cubo branco, que acompanha o que está acontecendo na minha trajetória de bailarina, que está indo para uma linguagem mais plástica sem que se perca esse movimento. Inclusive, esse caminho é um movimento de dança — explica.
Outra pista que justifica esse transversar da artista foi a morte recente do pai, no meio da pandemia, associado ao estudo a respeito das Moiras, figuras mitológicas representadas por três irmãs fiandeiras que tecem os fios do destino de cada um dos seres vivos, ao mesmo tempo em que estava para abrir o Rocca Garden, empreendimento do marido, Giuliano Ramos Bianchi, com outros três sócios.
— Roca é instrumento de fiar, roca também é uma pedra. E essa coisa do bar estar no meio da natureza, tudo isso estava de acordo com os meus estudos das lendas das Moiras, que falam de fiar esse destino. E como sempre trabalhei com fio e com a dança, que é também um movimento da vida, era isso que estava me rondando — revela Cris.
Mesmo quando discorre sobre o processo do seu trabalho, a impressão que se tem é de que a Cris está dançando. Ou, reforçando o neologismo, transversando movimentos que tecem sua narrativa visual. Na noite de hoje, na abertura, haverá o movimento da Cris, em performance, mesmo tempo em que o público irá exercitar o ato de transitar por entre as esculturas suspensas, os tecidos desenhados e entrelaçados por fios, e as telas na parede.
A pergunta que fica é: a Cris transformou a galeria de arte em um teatro ou ela abriu um portal e instalou o cubo branco dentro da caixa-preta cênica?
Sobre o projeto
Além da exposição e de uma performance, o projeto Jardim de Roccas inclui a criação de um livro de arte com registros e rastros dos materiais expositivos e corporais que se complementam e constroem narrativas sobre mitologias e permanências.
As fotografias para o livro foram produzidas por Daniel Herrera, com iluminação de Sigrid Nora. O projeto gráfico do trabalho é do designer Marco Aurélio Verdi.
O projeto está sendo realizado com recursos do Pró-Cultura RS FAC - Fundo de Apoio à Cultura, do Governo do Estado do RS.