O dia 20 de janeiro de 2023 ficará marcado na história do Euzébio Beltrão de Queiroz como o dia em que a dignidade e a criatividade expulsaram dali todos os rótulos pejorativos que ainda marginalizam o bairro. Se não pra sempre, pelo menos nessa janela de quase duas horas de um poético espetáculo inédito, realizado no final da Rua Vinte de Setembro, em que a música e a moda foram as plataformas usadas pra dar voz e vez ao talento desses jovens caxienses.
Na linguagem deles, com o discurso deles, com a sede deles de gritar ao mundo suas ideias e com a cara e a coragem deles em assumir suas posições e fortalecendo os sonhos em comum. Foi desse jeito que ocorreu o desfile-show que apresentou o resultado do Projeto Amplificador. Concebido pelo rapper e ativista social Chiquinho Divilas, Fundação Marcopolo e direção artística da designer Julia Webber, o evento começou no anoitecer de sexta-feira (20).
Na plateia, moradores do bairro, visitantes de outras regiões da cidade, além de personalidades como o estilista Walter Rodrigues, a especialista em moda Beth Venzon, e os atores e produtores culturais Aline Zilli e Jonas Piccoli. Do campo político, estiveram presentes a prefeita em exercício Paula Ioris (PSDB), a secretária interina da Cultura, Magali Quadros, além dos vereadores petistas Lucas Caregnato e Estela Balardin.
E todos, em uníssono, aplaudiram cada um dos protagonistas da noite, os criadores de moda e os compositores que foram amplificados pelo projeto. Como uma homenagem especial, a primeira mulher a desfilar, usando um colete criado por Érica Matias, 16 anos, que sonha com uma carreira no mundo da moda, foi a moradora da casa verde número 3.453, na mesma Vinte de Setembro, a Maria de Lurdes Crigeri, 65. Emocionada, a dona Lurdes, como é conhecida, em meio àquela alegria que faz chorar, esqueceu até que era cadeirante.
A gente trabalha muito o empoderamento. Pra mim, o resultado estético não é o objetivo do projeto e, sim, o processo, a transformação pessoal e da comunidade.
JULIA WEBBER
Designer e diretora artística do desfile-show
A cada nova intervenção, seja da batida ritmada com poesia, fosse das peças de roupas criadas, uma alegria tomava conta da rua, que em catarse parecia viver o sonho declarado em rimas pelo Chiquinho e estampado na camiseta do coordenadora da Fundação Marcopolo, Luciano Balen: "- violência, + poesia". A rua traz lições como essa, mas é preciso que a voz dessa galera seja amplificada. E isso quem defendeu, no encerramento, foi a própria prefeita em exercício, Paula Ioris.
— Parabéns por darem voz e por instigarem um pensamento criativo em nossos jovens, ampliando a visão e dando espaço para a criatividade.
Na mesma batida, mas com seu sotaque, sua rima e sua visão de mundo, Chiquinho vai ainda mais além, apontando sua maior preocupação:
— Enquanto eles sonharem, tá suave. Meu medo é quando eles não tiverem mais sonho...
Depois desse primeiro desfile show em que tantos jovens foram amplificados, dos criadores e compositores, à plateia, em sua grande maioria de crianças e jovens, sonhar vai rimar com acreditar. E a Vinte de Setembro, pelo menos nesse pequeno trecho que fica dentro do Beltrão de Queiroz, agora foi rebatizada de Rua da Esperança.
Um salve pra galera!
DEPOIMENTOS
"A gente trabalha muito o empoderamento. Pra mim, o resultado estético não é o objetivo do projeto e, sim, o processo, a transformação pessoal e da comunidade. Então, é interessantíssimo que todos eles têm o objetivo de evoluir e trazer mais gente junto, eles não querem crescer sozinhos. Isso me impressionou muito".
Julia Webber, designer, diretora artística do desfile show
"Foi muito diferente do que eu pensava, no bom sentido. O projeto me ajudou muito como pessoa, me ajudou na moda, e me ajudou a me socializar também".
Érica Matias, 16 anos, estudante do 2º ano do Ensino Médio do Cristóvão de Mendonza
"Eu pensei no início que não era pra mim, mas aí eu comecei a participar das aulas e acabei gostando. Agora, eu quero pesquisar pra fazer outros tipos de cursos na área da moda".
Stefani Tamires, 17 anos, estudante do 2º ano do Ensino Médio do Cristóvão de Mendonza
"Acabei recebendo o convite da Fundação pra participar e adorei. Aqui é mais um passo pra ampliar o repertório, já que eu trabalho com poesia, sou artesã, e trabalho também com oficinas de arte e educação no movimento Hip Hop. E a moda também faz parte do meu trabalho, porque faço bolsa ecobag".
Paulina da Rosa Magalhães, 38 anos, artesã e educadora social
"No início eu fiquei apavorado pensando como é que eu ia criar três peças diferentes. Eu acredito que tenho criatividade, mas eu não sabia como fazer. Aí a Julia (Webber) foi dando umas ideias pra gente e foi saindo. Ela sempre dizia: 'Pensem fora da caixa'. E não é que deu no que deu?".
Kauã Borges, 17 anos, estudante do 2º ano do Ensino Médio do Cristóvão de Mendonza
"O que me chamou a atenção é que eu pensei que seria como numa sala de aula, em que tu senta numa mesa e espera o professor te ensinar. Na verdade, quando chegamos lá no projeto eles nos disseram que nós éramos os artistas e disseram que íamos fazer a música do nosso jeito. Nossa! Aí meu coração bateu mais forte, porque fiquei pensando no que é que eu ia fazer".
Edgar de Castro, 17 anos, estudante do 1º ano do Ensino Médio da Escola Evaristo de Antoni
"Eu não escrevia rap, eu só escrevia poesia de rua. E através do projeto eu descobri que poderia fazer parte do rap também. Porque o Chiquinho (Divilas) disse que eu tinha jeito pro rap. Daí eles me ajudaram a encaixar minha voz numa batida e deu muito certo e gravamos até um videoclipe".
Maria Eduarda Noronha da Silva (Maria MC), 18 anos, auxiliar administrativo da Unimed e aluna do Senai