— Eu não quero morrer dentro de uma livraria, eu acho que 52 anos de livro já está bom.
É assim que Arcangelo Zorzi Neto, o Maneco, define a decisão de fechar as portas da Livraria do Maneco após 41 anos de história em Caxias do Sul e na região — onde teve outras unidades do negócio. Com semblante tranquilo, o empresário recebeu a reportagem do Pioneiro na sexta-feira e se mostrou animado com os próximos planos, que envolvem viagens, passar mais tempo com a família e editar livros. Em uma região marcada pela cultura do trabalho, o sentimento do livreiro, que está com 65 anos, pode pegar muitos de surpresa.
— Eu acho que o ser humano, chega um momento da vida que ele tem que refletir. Acho que muitas pessoas nem se perguntam por que estão nesse mundo. Qual é o verdadeiro papel para minha vida nesse mundo? Pouca gente se pergunta. Eu acho que a vida não é só trabalhar, e digamos assim, o final de semana. Eu acho que a vida é muito mais do que isso. É ter prazer de viver os momentos que ela te proporciona — reflete.
Trabalhando com livros desde os 13 anos, quando ajudava o irmão Idalino Zorzi na Livraria Sulina, Maneco tem a cultura como a grande paixão de vida. Além de um entusiasta da literatura, o empresário adora fotografia, sempre aproveitando viagens para usar a sua câmera profissional; é amante da música, com uma grande coleção de discos; e apaixonado por cinema e teatro, em que participou de filmes como O Quatrilho e foi um dos fundadores do grupo Míseri Coloni.
O 10º filho de uma família de 14 irmãos admite que outros fatores aceleraram a decisão de fechar a loja localizada na Rua Marechal Floriano, como a pandemia, o mercado dos livros didáticos e a falta de um sucessor. Mas, em muitos momentos, o livreiro chama atenção que não quer "morrer trabalhando", como viu acontecer com pessoas próximas.
Mesmo com o fim da Livraria do Maneco, a ligação com os livros segue firme. Além de manter a editora, o empresário promete continuar apoiando e participando da Feira do Livro de Caxias do Sul — como faz desde a primeira edição, quando acompanhou o irmão Idalino, idealizador ao lado de Mauro Martins, da Martins Livreiro, em 1975.
Confira os principais trechos da entrevista.
Pioneiro: O senhor trabalha como livreiro há 52 anos, começando praticamente na pré-adolescência, ao lado do seu irmão. O senhor se apaixonou imediatamente pelos livros a partir da primeira experiência?
Maneco: O meu irmão vendia livros para a Livraria Sulina de Porto Alegre, como um vendedor ambulante. Como ele vendia bem, vendia dentro da faculdade e tal, a Sulina abriu uma filial em Caxias. Ele me convidou para trabalhar com ele. Eu era criança, então fazia serviço de banco, de entregar livros, de entregar encomendas. Comecei na Sulina, fiquei sete anos e meio lá, e comecei a pegar o gosto pelo livro, a paixão pelo livro.
Como surgiu a vontade de ter o próprio negócio e abrir a Livraria do Maneco?
Fiquei três anos e meio na Livraria São Paulo (hoje, Paulus), até que o pessoal começou a me instigar, 'Bah, Maneco, por que tu não abre uma livraria?'. Eu tinha um colega que vendia discos na livraria São Paulo e eu sempre comprava com ele, até que um dia eu disse, 'Bah, Luiz (Carlos Weber, que trabalhou "quatro ou cinco anos" com Maneco) vamos abrir uma livraria eu e tu. Tu cuida dos discos e eu, dos livros'. Depois, fomos concretizando e trabalhando a ideia. E aí, chegou o ponto de abrir a livraria. Nós alugamos uma sala na Sinimbu, onde tinha uma loja de roupas antes. O nome da livraria era para ser Paideia (como o nome do livro que conta a história da cultura greco-romana). Um dia encontrei um professor na Livraria Sulina e eu contei pra ele, 'A minha ideia é colocar Paideia'. Ele era da área da filosofia, então pensei que ia gostar. Ele me disse, 'Bah, o nome é interessante, mas eu acho que tu deveria colocar de Livraria do Maneco. Todo mundo te conhece por Maneco e todo mundo diz na universidade pra ir lá na (livraria) São Paulo e falar com o Maneco, que entende de livros'.
O senhor tem uma experiência de mais de 40 anos como dono de livraria, em décadas que trouxeram grandes mudanças tecnológicas e que, de alguma forma, causaram efeitos para o mercado dos livreiros. A partir disso, quando o senhor percebeu uma mudança drástica no comportamento do consumidor?
Nos últimos sete ou oito anos, talvez nem 10 anos, nós tivemos uma evolução bem maior com a internet, com as novas tecnologias, com o livro digital. Com toda essa evolução, eu sempre acreditei mais no livro físico, no contato com o livro. Os clientes que gostavam de frequentar a livraria não deixaram de frequentar para ir para o virtual, por causa do contato com as pessoas. Tu chegas na livraria, tu trocas ideias, conversas com as pessoas, pedes indicações…As novas tecnologias não permitem esse contato. O mercado do livro perdeu muito, nós sabemos que muitas livrarias fecharam no Brasil, em função das novas tecnologias e da pandemia, principalmente. Olha, não parece, mas 2020, 2021 e 2022, eu achava que iríamos ter um recomeço em função da volta às aulas, das universidades voltarem (presencialmente). Mas foi meio, digamos assim, meio decepcionante no sentido de que muita pouca gente, muitos poucos alunos universitários, estão comprando livro.
Em conversa com Luiz Simionato (consultor da Editora e Livraria Maneco), ele nos contou que o amadurecimento da ideia para fechar as portas vinha de dois para cá. Como foi o processo de tomar a decisão? Apenas o cenário do mercado motivou o senhor a encerrar as atividades?
Eu venho matutando essa minha ideia do meu trabalho de 52 anos há bastante tempo (mais de dois anos, confessa Maneco). Eu acho que chegou o momento do Maneco também viver a sua vida, não só no mundo do livro. Acho que dei minha contribuição no mundo do livro, que foi minha paixão. Mas, a gente tem que respirar fundo, tem que buscar viver os bons momentos que a vida nos proporciona. Eu tenho uma filosofia de vida que não é só trabalho. A vida tem que ter prazeres, e muitos desses prazeres não são só o trabalho. Eu tenho minhas filhas que moram fora do Brasil, tenho três netas e mais um neto vindo agora. Então, eu preciso viver, eu preciso conviver com eles, eu preciso ter outras formas de vida. Não é só o livro. Eu não quero morrer dentro de uma livraria, eu acho que 52 anos de livro já está bom.
Convivi com muitas pessoas, com muitas que trabalharam a vida toda, trabalharam até que morreram. Se eu morrer amanhã, saiba que eu morro feliz.
MANECO
livreiro
Mas, o senhor segue com a editora, não é mesmo?
A editora vai continuar porque eu vou fazer esse trabalho que é muito prazeroso para mim e que não exige estar presente o tempo todo. Vou continuar trabalhando o livro como editor.
E qual vai ser a linha de trabalho como editor?
Eu sou um editor que oportuniza os escritores a lançarem o primeiro livro, o segundo livro ou terceiro livro. Tem muitos autores que eu tive a oportunidade de lançar o primeiro livro e eles são um sucesso, a nível nacional. Isso me dá muito prazer.
Voltando ao fechamento da Livraria do Maneco. Antes da entrevista, o senhor nos contou que não tem sucessores para o comando do negócio. Isso também influenciou nesta decisão?
Eu não tenho familiares, filhos sucessores, então eu disse assim: 'Eu tenho que me preparar para chegar em um momento e encerrar minha atividade como livreiro'. Eu venho trabalhando essa ideia porque eu penso que a vida não é só trabalho. Convivi com muitas pessoas, com muitas que trabalharam a vida toda, trabalharam até que morreram. Não quero morrer trabalhando. Quero morrer feliz. Se eu morrer amanhã, saiba que eu morro feliz. Nós também tínhamos todo um trabalho junto com as escolas, junto com os professores dos municípios, do Estado, independente disso ou daquilo. Mas, com a pandemia, parou tudo. Acho que isso influenciou bastante, e talvez se não tivesse acontecido pandemia, essa loucura toda, talvez eu tivesse continuado mais quatro ou cinco anos. Se eu tivesse sucessores, eu já teria passado (a administração) há bastante tempo. Mas, como não tem, eu tenho que definir, o que quero e o que não quero.
Sabemos que uma mudança para as livrarias foi a demanda dos livros didáticos, que passaram a ser comercializados diretamente das editoras para pais e estudantes. Quando isso começou? O senhor tentou encontrar uma forma de reverter essa situação?
Tentamos sim. Já faz sete ou oito anos que as editoras começaram a vender diretamente na escola. Não foi a escola que pediu para que as editoras vendessem os livros. As editoras começaram a vender nas escolas dando o desconto que elas davam para os livreiros. Então, as livrarias começaram a perder esse faturamento, que é importantíssimo para o resto do ano.
Como o senhor vê o cenário das livrarias atualmente?
Não tem um grande futuro como livraria porque hoje com as novas tecnologias e com a nova forma de consumir, o mercado livreiro vai se encolhendo. E o mercado da papelaria, que é importante para livrarias, hoje também todo e qualquer mercado tem. Vi com meus próprios olhos, até farmácias chegam a estar vendendo papelaria, material escolar. Há 30 anos, quando abria um negócio, tinha que definir no contrato qual era o ramo de atividade, hoje não tem mais isso.