Para quem ainda não ouviu falar em Aline Bei, esse texto é um convite. Para quem a conhece, é a reafirmação de que a poesia que a escritora paulistana imprime nas obras emana naturalmente à medida em que fala, gesticula e sorri. Aline tem 34 anos e já no livro de estreia, O Peso do Pássaro Morto (Editora Nós, 2017, 168 págs.), venceu o Prêmio São Paulo de Literatura de 2018. Mas isso nem é o mais grandioso na literatura que faz – é apenas um cartão de visitas.
— Ainda não tinha me aventurado no romance, só escrevia textos curtos e fragmentados. Pássaro chegou pronto, em 2016, e foi escrito numa oficina que fiz com (o escritor pernambucano) Marcelino Freire — conta, em entrevista por Zoom.
Nele, narra a vida de uma mulher sem nome, em intervalos de tempo que perpassam os nove capítulos e que vão dos oito aos 52 anos, de uma vida marcada por perdas e dor. A temática forte e universal — quem não se sentiu assim alguma vez na vida? – fica em segundo plano a um primeiro olhar.
— No Pássaro, as perdas se repetem e fica a espera sobre até quando ela vai resistir. Há esperança, apesar de uma leitura de dor e tristeza. E traz a perda, que é o outro lado do ganho. Se perdeu, é porque ela teve — reflete.
Mas, mais do que o assunto, é a forma da narrativa que encanta. Aline elegeu a prosa poética para contar histórias e, desta forma, tornou-se uma das escritoras mais inventivas da literatura contemporânea brasileira. São frases curtas e ritmadas, com alternância entre espaços, linhas em branco, maiúsculas e minúsculas que tiram e devolvem o fôlego de quem a lê. O não-dito tem lugar importante na escrita dela, que foi respeitada pelas editoras onde publicou os dois livros.
— Um eu escrito em letra menor, por exemplo, significa um eu fragmentado — explica.
A narrativa, bem como a leitura, para ela, não podem ser passivas — devem provocar uma experiência. Essa certeza Aline traz do teatro. Formada em Artes Cênicas e pós-graduanda em Escritas Performáticas, sabe da importância do ritmo e convoca o corpo do leitor para ler suas obras, da mesma forma que o utiliza para escrever. Assim, ninguém sai ileso desse processo:
— Eu entrego um material estático, que é a palavra, mas que traz tremor e transformação. É o corpo se adapta ao constante movimento.
Não por acaso, a segunda obra chama-se Pequena Coreografia do Adeus (Companhia das Letras, 2021, 282 págs.), cujo abandono ganha ares de dança poética e tem parte da inspiração nas investigações sobre o trabalho da coreógrafa alemã Pina Bausch, cuja investigação do corpo do bailarino impressiona pelo gesto pequeno ressignificado e repetido no palco. Pequena versa sobre Júlia Terra, que vive em um não-lugar de uma família disfuncional e que ensaia a força de se mover para fora da dor. Mesmo quando não o faz, conclama essa tomada de decisão de partir.
— Ele mostra uma mulher que se move, apesar de tudo — afirma.
Esse livro surgiu quatro anos depois da estreia e foi tão incensado quanto o primeiro. Ao contrário do Pássaro, Pequena teve várias versões até ficar pronto — “um livro não pode ter pressa, tem que colocá-los no local de afeto”. Aline acabou tornando-se, também, uma escritora bastante citada e reproduzida nas redes sociais. Faz, inclusive, a própria venda dos exemplares, que envia autografados pelo correio.
— Isso me ajuda a entender o livro que entreguei e não o que fiz — sentencia.
Nessas investigações sobre a leveza, a forma e o ritmo da linguagem, acaba privilegiando personagens femininas.
— O que lateja e martela é o que deve ser escrito. E a gente nunca termina de dizer o que vai dizer...— revela — Poesia é o lugar que ocupo, com espaços e fragmentos, mesmo sem intenção de ser poesia — completa.