Paulo José morreu na última quarta-feira (11), aos 84 anos. Em cena, no entanto, o ator continua vivo, a nos emocionar, porque é imortal. Em tempos de carreiras estelares, de atores e atrizes forjados pelo manual da dramaturgia fast-food, outros tantos influencers, Paulo era a exceção. Venceu prêmios por onde andou, arrancou lágrimas e sorrisos, sempre com originalidade e singularidade, subvertendo inclusive papéis escritos de forma protocolar.
Entre julho e agosto de 2006, Jorge Furtado e a trupe da Casa de Cinema estavam praticamente acampados na Serra, no interior de Bento Gonçalves, por conta das filmagens de Saneamento Básico, o Filme. No elenco, Fernanda Torres, Wagner Moura, Lázaro Ramos, Camila Pitanga, Tonico Pereira, entre outros, e Paulo José. Inegável que havia um esforço de quase todo o elenco, recheado de cariocas, paulistas e baianos em parecer gente do interior e com descendência italiana. Menos o Paulo.
Não era só pelo figurino ou por ter nascido em Lavras do Sul (lá pelas bandas de Caçapava do Sul e Bagé). É que o Paulo parecia ter todos os personagens dentro de si. Não por acaso, fizeram um documentário sobre a sua vida chamado Todos os Paulos do Mundo, dirigido por Gustavo Ribeiro e Rodrigo de Oliveira, lançado em 2018. Durante as filmagens de Saneamento Básico, estive perto de Paulo. Perto o suficiente para enxergar todas as etapas até a cena se revelar diante dos espectadores.
Apesar dos ruídos do entorno, — naturalmente, da equipe com múltiplas funções, porque na Linha Santa Bárbara, em Monte Belo do Sul, reina sempre o silêncio em meio a um cenário bucólico — Paulo permanecia focado no texto, centrado em si e no que deveria entregar ao Furtado.
Lembro bem de vê-lo em uma cena em que os moradores discutem sobre a necessidade de obras de saneamento na localidade. Paulo, encarnando o personagem Otaviano, sentado ao lado dos “vizinhos” parecia de fato ser aquele marceneiro que nasceu e cresceu por ali.
Generoso, Paulo sempre me atendeu para conversas triviais ou mesmo para entrevistas. Claro, esse “sempre”, desde que a produção do filme assim desejasse. Porém, mesmo quando não lhe era permitido, seu olhar me confortava e, de certa forma, deixava uma esperança no ar para um futuro reencontro. Creio ter aproveitado cada instante que pudemos sentar frente a frente. Aprendi com ele, por exemplo, de uma forma simples, que “o cinema é a arte do gesto mínimo”.
— Marcelo... — dizia Paulo, enquanto apertava com carinho meu pulso esquerdo. Senti na pele como era a vida de alguém que enfrentava a doença de Parkinson.
— ... o cinema é a arte do gesto mínimo.
Cada frase era dita sem solenidade, mas seu olhar parecia emoldurar cada palavra em ouro, porque esse é o peso e o valor do que é essencial.
— Não é só dizer, Marcelo, é como dizer, é como olhar, é como fazer brotar a verdade.
Paulo é uma “pessoa intransferível” como versou Torquato Neto. Em Todos os Paulos do Mundo, o ator recita esse poema. Segue um pequeno trecho, que serve como verbo reverberando a vida e obra do Paulo, por todo o sempre e amém.
“Escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela. Nada no bolso e nas mãos. Sabendo: perigoso, divino, maravilhoso”.