Integrar uma família nobre como condessa parece dessas situações que a gente só vê em filme ou acompanha pela televisão. Mas para uma produtora de moda nascida em Caxias do Sul, acabou se tornando realidade de uma forma completamente involuntária. Leticia Piazza Toniazzo, 43 anos, se transformou em Condessa de Robiano depois de casar com o conde belga Matthieu de Robiano, em 2017. Os dois se conheceram em 2011, ao acaso, em Paris. Leticia ia muito à Europa por conta do trabalho como stylist — era disputada para fazer desfiles, além de editorais para grandes revistas e campanhas para várias marcas de peso. Matthieu sempre trabalhou como engenheiro do setor de automobilismo e ficou interessado logo depois do primeiro papo com a brasileira.
— A gente brinca que é meio clichê de filme, porque nos conhecemos em Paris, ficamos conversando... Ele quis trocar telefone, eu não quis. Aí uma amiga minha deu meu telefone pra ele e ele me ligou — lembra Leticia.
Mas talvez essa passagem sobre a origem do relacionamento com Matthieu seja mesmo a única com mais cara de "história de filme" na trajetória de Leticia. A caxiense é muito pé no chão e não gosta de romantizar o fato de ser integrante de uma família nobre na Europa. Os títulos de conde e de condessa, para ela, são mera formalidade que chegaram até mesmo a assustar um pouco no início. Pudera, para uma mulher que sempre foi independente, moderna, feminista e workaholic, saber que se tornaria condessa pareceu algo impensado. Com o tempo, porém, Leticia foi entendendo melhor sobre o significado dos títulos e conectando-os com sua própria história.
— A Bélgica ainda é uma monarquia, então, existem umas coisas que a gente não está acostumado no Brasil. Por exemplo, tem um livro que eles publicam todo ano com a lista das famílias nobres atualizada. Eu me perguntava "por que uma lista de nobreza?". Achava um pouco deslocado porque a gente não vive mais em 1600 (risos), mas comecei a entender que é sobre história, mais do que qualquer outra coisa. É uma herança cultural, que é o que eu também tenho da minha família de imigrantes italianos. Aprendi que um título nobre é sobre uma história que deve ser contada, de orgulho, de contribuições à sociedade. Talvez eu não entendesse antes, hoje em dia eu tenho um respeito maior — explica ela.
Sobre valorizar as origens, Leticia entende muito bem. Ela passou boa parte da vida acompanhando a tia, a pesquisadora Cleodes Maria Piazza Julio Ribeiro, e o pai, o fotógrafo etnográfico Aldo Toniazzo, por diversas colônias da Serra para investigar histórias da imigração italiana. A atuação de Cleodes e Aldo foi fundamental para o desenvolvimento do projeto Elementos Culturais das Antigas Colônias Italianas no Nordeste do Rio Grande do Sul (Ecirs), da UCS.
— A gente viajava por todas vilas ao redor de Caxias para ouvir as velhinhas contarem as histórias que elas sabiam do navio, da imigração, para fotografar as casas de madeira, comer polenta e ouvir eles cantando as músicas. Eu cresci com isso e acabei entendendo que é sobre isso também a nobreza: são histórias diferentes, mas que se cruzam — compara ela.
Essa conexão de identidades culturais foi também comprovada por ela em outro momento, quando ainda namorava com Matthieu. Ele a convidou para um passeio pela Itália a fim de conhecer o vilarejo onde sua linhagem, Robiano, teve origem.
— Falei que também queria ver o lugar de onde meu tataravô saiu para depois chegar em Nova Milano, do lado de Caxias do Sul. A gente descobriu que nossas famílias vieram de dois vilarejos que ficam a cinco minutos de carro um do outro. Isso é muito impressionante. Sei lá se é destino, mas existe uma conexão de muito tempo — diz.
A casa histórica da família de Leticia em Nova Milano (localidade de Farroupilha) ainda é um dos destinos preferidos do casal, que hoje tem os filhos Gaspard, quatro, e Felix, dois. Apenas o mais velho conheceu a terra da mãe, o caçula deve visitar a Serra assim que a pandemia der uma trégua. Mas, mesmo longe de casa, Leticia não abre mão de manter alguns traços culturais "gringos" que são especiais para ela:
— Meus filhos comem polenta. Aqui não é comum, mas geralmente faço quando recebo as pessoas em casa e faz um super sucesso, todo mundo gosta.
Ligação apaixonada com a moda
Leticia saiu de Caxias do Sul ainda com 16 anos, para estudar Arquitetura em Porto Alegre. Mas a personalidade inquieta e curiosa da moça a levou para caminhos ainda mais distantes. Chegou a estudar desenho industrial, mas foi com o universo da moda que sentiu mais afinidade. Começou a ser bastante requisitada em produções na Capital, enquanto conciliava o tempo com o curso de Moda, cursado na cidade natal. Em 2001, o talento como stylist a levou para São Paulo, onde a carreira deslanchou de vez. Por lá, foi assistente de nomes badalados do cenário fashion, como Daniel Ueda e Paulo Martinez. Depois, já trabalhando de forma independente, conquistou clientes grandes como a Ellus. O sucesso profissional a levou para viagens constantes a Europa, e uma dessas acabaria mudando sua vida completamente, como já contamos lá no início da reportagem.
Depois de engravidar do primeiro filho, há quase cinco anos, Leticia resolveu desacelerar um pouco da carreira profissional.
— Eu sou mega feminista e achava meio um desserviço contar para as pessoas que eu tinha abandonado minha carreira e tinha casado, parado de trabalhar para cuidar dos meus filhos. Não achava que era um bom exemplo, mas, enfim, hoje me dou conta do tamanho do privilégio que tenho de ter podido dar uma pausa na minha carreira para poder ficar perto das crianças — avalia Leticia.
No dia em que conversou com a reportagem, por exemplo, Leticia estava orgulhosa de ter presenciado o filho mais velho, Gaspard, andando de bicicleta sem rodinhas pela primeira vez. São momentos especiais que ela não quer perder. Mas, agora com os garotos já na escola e mais crescidinhos, a caxiense faz planos para voltar ao trabalho. Está animada com dois projetos, ambos na área da moda, que estão nascendo mesmo à distância e durante a pandemia.
— São projetos voltados ao slow fashion, em ser o mais sustentável possível, em trabalhar ajudando comunidades, tentando ser o menos agressivo com o meio ambiente, trabalhar com mulheres, empoderar minorias. Tem um viés bem político — adianta ela.
Passeios no castelo
Integrar uma família nobre não implica nada de tão diferente para Leticia, a não ser o recebimento de mais convites para jantares e almoços, algo estritamente social. A caxiense também faz questão de esclarecer que ser condessa não tem relação alguma com a realeza, ou seja, o contexto em que ela vive está muito distante do vivido pela rainha Elizabeth II e seu clã na Inglaterra, por exemplo. Há, no entanto, um aspecto da rotina de Leticia em Bruxelas que realmente parece implicar muito glamour e sofisticação:
— Essa talvez seja a maior diferença da minha vida fazendo parte de uma família nobre: a gente vai passar os fins de semana no castelo. Isso é uma coisa que não existia na minha vida antes.
Ela, o marido e os filhos, geralmente, frequentam dois castelos da família. Lá, a tradição são os almoços com os nomes de todos os convidados marcados na mesa, algo bem diferente do que Leticia estava acostumada nos almoços de família na Serra. Outra formalidade desses passeios, conforme ela, é a ida de um grupo da família para caçar.
— A caça é muito bem controlada, só é feita onde há algum desequilíbrio na natureza. É um momento que tem um super glamour, todos saem com seus trajes especiais, acompanhados dos cavalos e cachorros. Tem o coro de caça, com música, é uma cerimônia bem bonita — descreve.
Já sobre as refeições no castelo, ela explica que os trajes costumam ser formais, porém, sem exageros.
— O black tie na Europa é bem menos ostentador do que no Brasil — compara.
Machismo histórico
Leticia diz que não sofreu nenhum tipo de pressão — comportamental ou de qualquer outra espécie — ao adentrar em uma família nobre da Bélgica. Mas lembra que seus instintos feministas gritaram quando soube como funcionam as questões ligadas à linhagem. A caxiense explica que seus filhos são condes e terão filhos condes apenas porque são meninos.
— Se eu tivesse tido uma filha, ela seria uma condessa, mas os filhos dela não seriam condes. Veja bem...é uma coisa que me irrita muito. Poxa, estamos em 2021, e aí, vamos mudar essas regras? — sugere.