O encontro pelas telas marcou 2020 e com o fazer artístico não foi diferente. O olhar foi intermediado pela câmera, o aplauso deu lugar aos emojis, e todas as camadas da subjetividade dos encontros acomodaram-se, em tom de urgência, no enquadramento audiovisual.
Para quem encontra na arte o sentido da vida e vive com o sustento de cada apresentação, parar realmente não foi uma opção. No desenrolar dessa cena trágica, os artistas também foram duramente impactados, mas não nos abandonaram. Alguns ligaram as câmeras pela primeira vez e confirmaram que a presença virtual, embora não seja ideal, é melhor do que a ausência. Sob espetáculos cancelados, teatros interditados e luzes apagadas, a arte não silenciou. Pelo contrário, cantou feito cigarra, espalhando-se a ponto de atingir o tão merecido status de "essencial".
A importância da arte para a sobrevivência da espécie humana não é novidade, mas virou certeza absoluta nos meses de isolamento. Sozinha, em um apartamento cheio de vazio, vi cada canto ser suavemente preenchido pelas obras que pude acessar. Não foi uma, nem 20; foram incontáveis as vezes que encontrei no botão de play a salvação para suportar dias tão difíceis. Que atire a primeira pedra quem foi capaz de ficar sem ler um livro, escutar uma música ou assistir a uma livezinha sequer. Pois é, 2020, foi o ano das lives.
Na série publicada aqui no Pioneiro, A arte não para, conhecemos um pouco mais a realidade da cigarra, aquela da fábula. Quem foi que disse que ela não trabalha? A Serra gaúcha está cheia de cigarras que, assim como as formigas, fazem a roda da economia girar.
A adaptação ao distanciamento não foi fácil. E ainda não é. Cestas básicas seguem sendo destinadas às cigarras que ficaram sem trabalho, e que também sentiram fome à espera de editais tardios, precisando buscar outras formas de sustento.
Mesmo paralisadas, muitas conseguiram sair da casca, alçando voos. Disseminaram-se pela rede online as oficinas, os ensaios remotos, os espetáculos e os shows filmados. O caos também foi inspiração para criar, gerou uma necessidade ainda maior de expressar. Financiamentos coletivos deram visibilidade à arte periférica.
No acesso facilitado pelo controle remoto, algumas plateias tornaram-se, até mesmo, mais numerosas do que antes. No acesso facilitado às plataformas digitais, a cena cultural, que já era potente, ganhou mais diversidade. E as comunidades começaram a se ver, a reconhecerem-se de verdade.
No "Ano das Trevas", renascemos a cada dia inspirados por músicas, coreografias, imagens, histórias e representações. Tudo feito por estas cigarras que, na concepção de cada obra, também nos ensinam a arte de resistir.
Que em 2021, as cigarras continuem cantando. As formigas agradecem.
Para ler ouvindo
Desafogo, da banda caxiense Cuscobayo