Antes de significar o contrário de profissional, em seu sentido original a palavra amador designa “aquele que ama”, em latim. Por isso, não importa se é por hobby ou profissão, há 40 anos os participantes do Clube do Fotógrafo de Caxias do Sul se reúnem para compartilhar e confraternizar em torno de suas câmeras e imagens, muitas vezes captadas nas divertidas saídas em grupo pela cidade ou pelo interior.
Um dos sócios-fundadores do Clube, Aldo Toniazzo, 80, é destas pessoas que inicialmente tinham a fotografia como uma diversão de fim de semana, válvula de escape para o trabalho estressante. Entre os primeiros participantes da instituição, formada oficialmente em 25 de setembro de 1980, estavam bancários da Associação Atlética Banco do Brasil e alguns profissionais da saúde, entre médicos e dentistas, profissão de Toniazzo.
– Muitos, assim como eu, começaram na Fotografia para ter algo que aliviasse o estresse. Na área da Saúde a gente absorve demais as dores e as reações dos pacientes, precisa ter essa válvula de escape. Depois das primeiras fotos vem as primeiras exposições, os primeiros concursos, até aquilo que mais me realiza, que são os livros. Porque os prêmios irão comigo quando eu morrer, mas o que está publicado fica pra sempre – conta o octogenário.
Se é o entusiasmo pela fotografia que une quase 300 caxienses que já passaram pelo clube (atualmente são cerca de 100 sócios), Toniazzo os distingue em dois grandes grupos de interesse: os que seguem pelo lado da fotografia artística, e os que desenvolvem trabalho mais voltado para o documental, como é o seu caso. Em quatro décadas de atuação, o fotógrafo contabiliza 38 livros em que suas fotos estão presentes, entre obras individuais ou coletivas.
– Meu interesse sempre foi pela fotografia como algo cultural, de interesse documental. Registrar os costumes e os hábitos de uma comunidade, o que seus moradores usam, o que fazem para se divertir, o que comem, no que trabalham, em que paisagem estão inseridos. Os traços culturais de um povo refletem também na paisagem – reflete Aldo, que produziu trabalhos sobre municípios da Serra e localidades do interior de Caxias, principalmente para o projeto Elementos Culturais das Antigas Colônias Italianas da Região Nordeste do Rio Grande do Sul, da UCS.
Seja em categoria artística ou documental, a participação tão constante quanto destacada em mostras e concursos é uma característica que consolida o CFCX entre os principais do país. Não por acaso, sua retomada após um período de quase extinção, na virada do século, ocorreu quase por súplica da Confederação Brasileira de Fotografia (Confoto), em uma visita feita por seus diretores a Caxias, em 2005. Naquele ano também se graduava a primeira turma do curso de Fotografia da UCS – fator que ajudou a oxigenar o clube, com novos e interessados membros. Entre eles estava seu atual presidente, o médico Carlos Gandara. Para Gandara, um desafio para os próximos anos é seguir a renovação, na medida em que o clube também busca quebrar paradigmas e pré-conceitos sobre si próprio:
– Muitas pessoas ainda acham que para participar do clube precisa ser profissional, ter um vasto currículo. Pelo contrário, a maioria jamais recebeu por um trabalho fotográfico. Outro estigma é de que precisa ter uma súper câmera. Nada disso. Muitos integrantes fazem fotos magníficas com o celular mesmo. Nossa luta atual é por fazer o clube conversar e, se possível, atrair todo e qualquer interessado por fotografia.
Gandara também projeta como fundamental o Clube seguir tendo sua história muito próxima aos fatos marcantes de Caxias do Sul, realizando exposições e marcando presença para registrar momentos históricos, além de ajudar a dar vida a lugares como ambientes hospitalares, sala de espero de aeroporto e paradas de ônibus, para citar alguns lugares onde as fotografias produzidas pelo Clube estão ou estiveram estampadas nos últimos anos.
AMIZADE E TROCA
É opinião unânime entre os associados que um dos principais baratos de pertencer ao clube é são as reuniões semanais. São ocasiões que permitem, na mesma medida, descontrair e aprimorar os conhecimentos em fotografia, seja por uma palestra com algum renomado convidado externo, ou na troca entre os integrantes, sempre solidários no compartilhamento dos seus saberes. Até março, os encontros eram realizados sempre às terças-feiras, no Moinho da Estação. Durante a pandemia, passaram a ser virtuais e mensais.
– A pandemia nos atingiu em cheio, mas estamos enfrentando esse desafio de manter o pessoal junto e mobilizado, realizando alguns concursos virtuais. A hora é de revirar os arquivos atrás daquelas imagens maravilhosas que ainda não foram mostradas – comenta Gandara.
Outro momento que os associados aguardam com ansiedade pelo retorno são os passeios ou viagens em que se realiza na prática a razão de ser do clube: fotografar. Além de excursões de um dia, com saída pela manhã e retorno à noite para cidades dentro do Estado, há viagens mais demoradas, como três já realizadas para o Uruguai. São saídas de campo que servem como verdadeiras oficinas, onde a observação do trabalho do colega é permitida e estimulada. Mais do que o aprendizado, contudo, as saídas de campo reforçam os laços de amizade que, para quem viu toda a história do CFCX acontecer, é o que há de mais precioso.
– Mais do que por fotógrafos, o clube sempre foi feito por amigos – resume Aldo Toniazzo.
Paixão que se dá entre a contemplação e a ação
Foi numa viagem realizadas pelo Clube que a advogada Marilise Cesa descobriu o amor pela fotografia, que desde então corre junto com o fascínio por ser parte do CFCX. Era uma excursão para a Patagônia liderada pela professora Liliane Giordano, que reunia 18 fotógrafos, entre homens e mulheres, e duas esposas que não fotografavam. Marilise era uma delas. Para se integrar melhor à turma e evitar o tédio, recebeu do marido, Afonso Cesa Neto, uma câmera que ele havia deixado de usar. Não foi o ato de fotografar em si, mas principalmente a relação de companheirismo entre os fotógrafos e a sua capacidade de perceber as belezas escondidas ao olhar comum, que uniu para sempre Marilise, a câmera e o clube.
– Tudo para mim era novidade, mas me encantei com aquele tempo de contemplação das coisas, a atenção aos detalhes. Entrei num mundo completamente diferente do que eu conhecia até então. Se eu estivesse sozinha naquela viagem, mesmo para um lugar tão lindo, não teria enxergado metade do que enxerguei pelo olhar deles. Aquilo me invadiu de tal forma, que na volta já fiz meu primeiro curso, entrei para o clube com meu marido e nunca mais parei de fotografar – conta.
Entre as principais memórias ligadas ao clube, Marilise destaca aquelas em que a instituição consegue dar um retorno às comunidades, oferecendo a elas a oportunidade de se enxergarem através dos registros fotográficos.
– Já fomos duas vezes fotografar as Cavalhadas de Cazuza Ferreira, e em ambas as ocasiões nós depois imprimimos as fotos para presentear a comunidade. Outra ocasião foi o Desfile Cênico da Festa da Uva de 2016, que fomos convidados para desfilar e achamos que seria bacana, ao mesmo tempo, fotografar os espectadores. As fotos foram disponibilizadas para as pessoas se encontrarem nelas depois – recorda.
A advogada, hoje aposentada e com mais tempo para se dedicar à fotografia, ressalta ainda que o clube ajuda os fotógrafos a crescerem, principalmente na medida em que faz crescer a confiança conforme o trabalho é exposto para avaliação pelos colegas:
– A fotografia é uma arte curiosa, porque mesmo nas saídas em grupo, na hora de clicar é tu contigo mesmo, regulando o foco, ajustando a luz, escolhendo o momento do clique. Mas a foto só irá existir no momento em que ela for vista, e é isso que faz a gente crescer neste ofício. Quanto mais nos aprimoramos, mais queremos mostrar nossas fotos e mais essa paixão cresce dentro de nós.
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