A primeira vez que fui a uma psicóloga foi na infância. A segunda, saindo da adolescência. Na terceira, já era adulto. Quando era adolescente tive uma única sessão, mas que me abriu a mente de forma que valeu por anos de acompanhamento terapêutico. Foi uma única palavra, na verdade, que fez toda a diferença: identificação.
Ainda volto a pensar na importância dessa palavra sempre que preciso me convencer que é normal não me identificar com muita coisa, nem com muita gente, sem ter de sofrer por ser parte desgarrada. Não poder evitar que as coisas sejam como são e que as pessoas pensem como pensam não é razão para deixar de me sentir pertencente e por isso me isolar - ou cancelar - quem pensa diferente, como se isso fizesse deixar de existir as situações que prefiro evitar. Se viver numa bolha é ruim, num casulo seria pior ainda.
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Tratamos com uma tendência à negação o fato de que no Brasil prosperam sentimentos que aqueles que pensam como eu jamais imaginaram ver triunfar. Buscamos todo tipo de explicação para não ter de encarar que quanto mais prevalecem a ganância, a violência e a intolerância, mais gente gosta, se reconhece e aplaude. E a vontade que dá é de voltar para o útero.
Às vezes me perguntam como é morar numa cidade e numa região tão reacionária como a Serra, e eu respondo que onde as pessoas são mais reacionárias também é mais fácil reconhecer quem não é, pois os contrastes se acentuam. E isso clareia a visão para encontrar pessoas incríveis. Tu não vais te identificar com tudo na cidade onde vive, nem na tua profissão, nem com toda a tua família, e isso não é razão para não gostar da tua cidade, do teu trabalho ou dos teus familiares. Afinar a sintonia com aquilo que gera a identificação ajuda a viver melhor e a tolerar o que não te agrada.
Quando mudei minha abordagem para a aceitação, a fim de ver se doía menos, doeu menos. Embora ainda acredite que voltarei a viver numa sociedade mais sintonizada como que acredito, aceitei que dificilmente isso se dará em menos de 10 anos. As próximas gerações farão as transformações necessárias, mas vai levar tempo até que assumam o protagonismo. Quando esse país chegar, empurraremos a falta de identificação para o outro lado. Até lá, que possamos seguir fazendo nossa pequena parte, mais perto de quem gostamos, mas sem virar a cara para não enxergar o outro lado.
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