Uma tradição que nenhuma modernidade jamais dissolveu na região diz respeito ao envolvimento comunitário que caracteriza a maior parte da paróquias católicas espalhadas por aqui. São centenas de pessoas que se engajam na organização das atividades alinhadas ao calendário de cada igreja. Além das tradicionais festas dedicadas a datas comemorativas, há ainda iniciativas como grupos de casais e de jovens, constantemente preocupados em viabilizar os projetos da paróquia.
— O nosso lema é: uma nova família nasce aqui — sentencia Elisane Quilante, 41 anos, a coordenadora do Movimento de Casais Jovens (MCJ) da paróquia São José, em Caxias.
— A gente está sempre envolvido, eu, meu marido, meu filho, meu pai — diz Helena Susin, 56, funcionária de secretaria da mesma paróquia.
Mas em tempos de distanciamento social, como manter a união que é tão característica nesses grupos? Só na paróquia de Santa Catarina, uma das mais atuantes na realização de festas em Caxias, pelo menos seis encontros foram adiados de março até agora por conta da pandemia. Entre julho e agosto, outras sete festas que estavam previstas para movimentar as 11 igrejas que compõem a paróquia também correm o risco de não serem realizadas. Essas confraternizações — que geralmente compreendem um farto almoço colonial, seguido de café com biscoito para acompanhar o rifão — são uma representação importante do trabalho feito em comunidade, resultado da dedicação voluntária de muitas famílias.
— As festas fazem falta pois são um jeito de nos mantermos unidos, são famílias inteiras que se envolvem. Isso melhora a gente como pessoa — aponta Rosilene Monteiro Rodrigues, 41, também integrante do MCJ São José.
No caso específico desse grupo de casais, os encontros que antes ocorriam nas casas dos participantes, agora ganharam as plataformas virtuais. Adaptação que não tem tirado o entusiasmo dos envolvidos.
— A gente busca a vida em comunidade, não existe ser cristão isolado. Neste momento de agora, falamos muito em nos reinventarmos, mesmo online, é muito importante a gente dividir esse tempo com os demais casais — acrescenta Rosilene.
Algumas mudanças, mesmo trazidas no momento de adversidade que vivenciamos, acabam por reforçar a crença na união. Isso, não tem pandemia que mude.
— Aqui tem amizade, companheirismo e espiritualidade. Tem muita doação — resume Elisane.
O novo almoço de colônia
A celebração ao padroeiro São José, que também dá nome ao bairro onde está inserida a paróquia, tardou mas não falhou, mesmo diante da pandemia. Isso porque a comunidade buscou uma forma de adaptar o evento, garantindo a segurança dos fiéis, com o mínimo de exposição. O movimento da missa, sempre celebrada no dia 1º de maio, em honra a São José Operário, deu lugar a uma transmissão ao vivo que ocorreu no último domingo, formato adotado por diversas paróquias da Diocese de Caxias do Sul desde o início da pandemia. Em cumprimento ao decreto, apenas 25% da igreja pôde ser ocupada presencialmente por fiéis. O almoço, que costumava ser servido para cerca de 700 pessoas no salão anexo à igreja, foi adaptado para kits entregues no modelo drive-thru. A adequação permitiu que mais pessoas pudessem consumir, sendo comercializados 290 kits que serviam até quatro pessoas.
— É uma festividade que movimenta a paróquia e buscamos esta adaptação porque percebemos que as pessoas estão na ânsia de voltar a se envolver com a vida comunitária — explica o padre Oscar Chemello, pároco da igreja São José.
No domingo, o trabalho de voluntários para que tudo corresse como o programado começou ainda antes das 7h. Por volta das 11h, os kits com massa, galeto, maionese, pão e biscoito começaram a ganhar as mesas do salão. Uma das envolvidas na organização dos pacotes era a adolescente Brenda Tomazzoni, 13 anos.
— Achei esta ideia muito legal porque, ao mesmo tempo ajuda a paróquia e as pessoas da comunidade, mesmo de longe — disse ela.
Os kits começaram a ser entregues por volta das 11h30min. Cada carro que estacionava em frente ao salão trocava o ingresso pelo kit de almoço e ainda recebia uma bênção particular do padre Chemello.
— Muitos restaurantes estão fazendo isso (drive-thru), achei bacana que a igreja se adaptou também — disse Karine Pagnan, 31, logo depois de pegar seu combo de almoço para levar para casa.
ENVOLVIMENTO QUE GARANTE O SUCESSO
Diante das restrições da pandemia, o evento, que costumava ser programado de um ano para o outro, foi imediatamente suspenso, assim como ocorreu com outras tantas festas comunitárias da cidade e da região. Em meio à incerteza do retorno e da necessidade de manter os rendimentos básicos da paróquia, algumas restrições começaram a ser flexibilizadas, como a própria presença de fieis na igreja, o que motivou a realização da festa em honra a São José, mesmo que em outra data. A partir daí, a organização e adaptação foi feita dentro de duas semanas e, embora tenha ocorrido com menos pessoas, para evitar aglomerações, teve um engajamento ainda maior por parte dos voluntários, exigindo deles a readequação em alguns quesitos.
Uma das principais mudanças ocorreu no cardápio. A fartura do tradicional churrasco, antes servido nas mesas, com saladas e outros pratos, precisou ser adaptada para os kits entregues no drive-thru. As equipes optaram, então, pela carne de frango, o galeto, com um espeto (12 pedaços) em cada kit. Entre os acompanhamentos, a tradicional maionese, o macarrão feito pela própria comunidade, um pão caseiro e um pacote de biscoito.
Na preparação, realizada um dia antes, algumas coisas também mudaram. A principal delas foi a restrição no número de pessoas participando. Luciane Loro, 40, participa há 20 anos dos eventos da comunidade e disse ter sentido falta da movimentação das famílias voluntárias no salão.
— As crianças ficavam por aqui brincando enquanto a gente preparava as coisas, agora estão desesperadas que não podem vir — relata a moradora, que coordenava os garçons mas, desta vez, acabou assumindo a cozinha.
Enquanto preparava os 180 quilos de massa para o macarrão, ela também citou a dona Bambina Zago, idosa de 85 anos que sempre coordenou os preparativos das festas na comunidade e com quem ela mesma, Luciane, aprendeu a fazer algumas receitas. Por integrar o grupo de risco para covid-19, pela primeira vez em 30 anos, dona Bambina não participou dos preparativos da festa de São José.
Hora de reinventar
A internet tem sido uma ferramenta importante para as paróquias da região. As missas online já se tornaram algo comum — vale lembrar da festa em honra a Nossa Senhora de Caravaggio, que registrou recordes de audiência pelas redes — e, aos poucos, outras ações das igrejas vão ganhando formatos alinhados ao distanciamento social. Em Bento Gonçalves, este sábado será de honras ao padroeiro da cidade, Santo Antônio. Assim, a Paróquia Santo Antônio organizou uma programação que contempla missas e trezenas online, carreata com a imagem do santo (com participantes isolados em seus carros) e até mesmo uma nova versão do tradicional almoço colonial. Por meio das redes da paróquia, o bispo Dom José Gislon vai abençoar pães (símbolo importante na festa de Santo Antônio) e os almoços de cada família que estiver em casa. Todo esse movimento vem sendo chamado pela paróquia de "Igreja doméstica".
Outra alternativa que tem sido abraçada com entusiasmo nas paróquias da região são os almoços no formato drive-thru. No último fim de semana, a ideia foi colocada em prática na Igreja São José (leia mais ao lado), em Caxias. Neste domingo, os kits com almoços estarão disponíveis para comunidade Nossa Senhora do Carmo, da Paróquia Santos Apóstolos. No mesmo dia, haverá também uma missa online, às 10h45min, que será transmitida pelo Facebook da paróquia. Os ingressos para o almoço custam R$ 40 e dão direito a um combo para duas pessoas, com macarrão, maionese e uma porção de carne suína e frango. Os interessados podem entrar em contato pelo (54) 9 9996-0616, com Beatriz Vivan. A retirada ocorrerá das 11h30min às 13h30min, no salão da comunidade (Rua Dante Pelizarri, 1.448, bairro Panazollo).