Você lembra da primeira vez que ouviu falar em coronavírus? De quando o assunto ainda não era considerado uma pandemia? Do surto na cidade chinesa de Wuhan, em dezembro de 2019, até a confirmação do primeiro caso de covid-19 na Serra, em março deste ano, o tema passou a fazer parte da nossa rotina e, inevitavelmente, das nossas conversas. As redes sociais abriram espaço para discussões à medida em que, dia após dia, íamos vendo novos decretos sendo publicados, assim como atualizações das recomendações oficiais de saúde. É fato: o novo coronavírus transformou — e continua transformando — a nossa vida e a maneira como enxergamos o mundo.
Com o passar desses últimos dias, levando em conta as regras de isolamento e de não propagação do novo vírus, fomos incorporando ao cotidiano novos hábitos. E, quem sabe, práticas que costumávamos ter uma vez, mas que, por falta de tempo ou de atenção, andavam esquecidas. É o que apontam nossos leitores. Na última semana, perguntamos quais atividades eles começaram a praticar durante a pandemia e quais querem manter mesmo após a crise. Apesar de difícil, o distanciamento social pode servir como uma pausa para refletir e elencar as lições que vamos levar deste momento para a vida.
Manter uma boa higiene
Lavar bem as mãos, usar álcool gel, desinfetar superfícies e objetos. Para muitos leitores, as medidas de higiene recomendadas pelo Ministério da Saúde vão permanecer na rotina. Como alerta Nilva Stédile, enfermeira e pós-doutora em Comunicação e Informação em Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), essas ações são essenciais já que previnem inúmeras doenças, além da covid-19:
— São cuidados que deveriam permanecer, especialmente lavar as mãos. Sem nos darmos conta, a todo momento levamos a mão às mucosas ou até mesmo a nossa pele que, por ter microlesões, pode virar porta de entrada (para microorganismos).
Entre outras ações de higiene, Nilva recomenda tirar os sapatos antes de entrar em casa, manter a circulação de ar e luz do sol nos ambientes, além de higienizar as compras e os objetos que mais tocamos, como o celular e o computador. A especialista em saúde pública acredita que, mesmo após a pandemia, o costume de usar máscaras por pessoas com sintomas respiratórios também possa ficar — e ajudar a evitar a disseminação de muitas outras doenças.
Comer melhor e dormir mais
Além de reinventar receitas, o hábito de preparar as próprias refeições resgatou a importância da comida para a saúde e para a convivência familiar nessa época de isolamento e quarentena:
— É uma relação que estabelecemos de confraternizar em torno do alimento. Comendo em casa, a gente vai também desenvolvendo a habilidade de cozinhar em menos tempo e de maneira mais saudável. Se ingere menos gordura, menos açúcar, diversificamos os alimentos… — acredita Nilva.
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— Um dos benefícios é a oportunidade da tomada de decisão ao escolher ingredientes melhores nas preparações. Temperos frescos, menos sal, optar por orgânicos, integrais, mais frutas e menos pacotinhos — complementa a nutricionista Nathália Ribeiro Hirata, especialista em Psicologia e Comportamento Alimentar.
Para alguns, ficar em casa tem servido também para investir em momentos de descanso. Conforme Nilva, dormir recupera neurotransmissores que são gastos ao longo do dia, reforça a memória e fortalece o sistema imunológico. No entanto, uma vez que o número ideal de horas de sono pode variar para cada indivíduo, a dica da especialista é prestar atenção aos sinais do próprio corpo.
— Na pandemia, as restrições de atividades tanto físicas quanto sociais, os cochilos diurnos e o abuso das telas, como tablets, celulares e o computador, tem influenciado de maneira negativa a qualidade do sono das pessoas. A duração ideal do sono pode variar com a idade, mas sabemos que tanto a privação quanto o excesso podem ser prejudiciais. O cérebro precisa da luz solar e da escuridão para produzir hormônios e neurotransmissores que regularizam o sono. Por isso, o hábito de acordar mais tarde, por reduzir o tempo de atividades diurnas e a exposição ao sol, pode trazer mais dificuldades para dormir — esclarece a neurologista Viviane Vedana.
Fazer exercícios físicos
A suspensão das atividades nas academias em 19 de março, liberadas com restrições em 22 de abril, incentivou as pessoas a se movimentarem sem sair de casa e, em muitos casos, sem a supervisão de um profissional. Para Anderson Rech, professor de Educação Física e doutor em Ciências do Movimento Humano, se não for possível o acompanhamento especializado, é importante que o exercício não seja intenso:
— Alongamentos de baixa intensidade, caminhadas e subir e descer escadas de maneira moderada são ações que fazem parte de um programa de vida saudável e que não precisam de uma grande orientação — exemplifica.
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VÍDEO: movimentos e alongamentos para se exercitar em casa da maneira certa
O professor comenta que práticas que envolvem corpo e mente, como ioga, meditação e artes marciais, trazem benefícios especialmente para períodos de estresse como esse que estamos vivendo. Entretanto, aconselha evitar fazer atividades que cansem demasiadamente o corpo sem a ajuda de um profissional: é ele que entende os limites de cada indivíduo, além de monitorar se o movimento está sendo executado corretamente, evitando problemas futuros.
— Aplicativos de treinos podem nos encorajar a realizar séries de alta intensidade, mas não oferecem uma orientação real, porque não levam em conta a individualidade de cada um — analisa.
O professor Anderson Rech disponibilizou um vídeo com exercícios e alongamentos que você pode fazer em casa. Confira aqui.
Estudar e ler mais
Ainda em março, as atividades presenciais foram suspensas das escolas infantis às universidades, o que forçou professores, coordenadores, estudantes e suas famílias a buscarem alternativas no aprendizado online. O distanciamento social foi também a oportunidade de muitos voltarem a estudar ou se aprofundar em um assunto que tinham interesse, mas que, por falta de oportunidade, não se dedicavam antes. Para Morgana Säge, professora e fundadora do Sapiens Curso Pré-Vestibular, o momento provocou a valorização do mundo analógico:
— O que vemos hoje é um excesso de ofertas e demandas do mundo online, afinal, muitos transferiram o contato pessoal e as fontes de informação para o ambiente digital. No entanto, essas mesmas gerações que se viram imersas no virtual estão ficando, em algum momento, saturadas das telas.
Morgana avalia que, nesse processo, é possível contar com professores, artistas, escritores e geradores de conteúdo:
— Muitos dos meus alunos disseram que houve aumento do aproveitamento de seus estudos, mesmo que sintam falta dos colegas e do ambiente do pré-vestibular, ingredientes imprescindíveis para se manter a sanidade psíquica. O que importa é que, para se manterem sãos, eles buscam na literatura, na música, no filme algo que valha a pena ser vivido.
Home office
Após a pandemia, o teletrabalho deve crescer 30% no Brasil, segundo um estudo do coordenador do MBA em Marketing e Inteligência de Negócios Digitais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), André Miceli. E não é à toa que muitos profissionais cogitam manter o home office após pandemia: estar mais perto da família e não precisar enfrentar o trânsito estão entre os benefícios descritos pelos adeptos da modalidade.
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Todavia, há desafios a serem enfrentados, como lembra a psicóloga Débora Brandalise Bueno, especialista em Psicologia do Trabalho e Organizacional:
— É uma mudança cultural para as empresas entenderem que sim, trabalho remoto é produtivo. Além disso, são poucas as pessoas que têm dentro de casa a estrutura adequada. Muitos dividem os espaços e aparelhos com outros membros da família. Por isso, o ideal é que a empresa forneça os dispositivos necessários.
Débora lembra também que é importante manter uma rotina no home office. A especialista indica ter em mente a divisão entre trabalho e descanso, porque, quando inseridos no mesmo ambiente, tendem a impactar mais o trabalhador.
— É importante buscar um lugar específico para o trabalho, que seja confortável e ergonômico. Arrumar-se antes de começar, organizar e planejar o dia… Entender que "estou trabalhando" — finaliza.
Cuidar de mim e do outro
Ainda na metade de maio, a Fundação de Assistência Social (FAS) iniciou a distribuição de cestas básicas para famílias assistidas pela entidade também com máscaras e livros. No dia 8, a Secretaria da Cultura repassou à FAS mais de 1,2 mil livros doados; de lá para cá, a pasta estima ter arrecadado mais 1535. De 17 de março até a última quarta, 147 toneladas de comida foram recolhidas pelo Banco de Alimentos de Caxias do Sul, sendo 92 provenientes apenas das campanhas alusivas à pandemia. Paralela a essas e tantas outras boas iniciativas na cidade, uma ação envolvendo 11 entidades e empresas e coordenada pela Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul (CIC) destinou à FAS recentemente 130 toneladas de alimentos — o equivalente a 12 mil cestas básicas.
Os números revelam uma resposta da população a uma realidade dura trazida pela pandemia. Somente em abril, a prefeitura entregou 6.681 cestas básicas, volume oito vezes maior do que o repassado nos meses anteriores à crise do coronavírus.
— Continuar fazendo essas ações, seja com um olhar, um gesto, uma doação, torna a cidade e as pessoas mais humanas. A caridade não tem tempo — ressalta Maria Teresinha Mandelli Grasselli, coordenadora da Pastoral das Pessoas em Situação de Rua, grupo voluntário beneficiado pela FAS que atua no município há cinco anos.
A psicóloga Patricia Prigol salienta que, na logoterapia — a terapia do sentido da vida —, o significado para a existência nasce primeiramente do ato de ajudar. Viktor Frankl, o pai da teoria, desenvolveu seus estudos a partir da própria vivência como judeu em campos de concentração, na Europa da Segunda Guerra Mundial. Ele sobreviveu e, assim, acabou por criar uma práxis terapêutica que afirma que sentir-se útil e parte da melhora de outras pessoas traz propósito e significado. Cercar-se de coisas boas também passa por estar perto de quem amamos:
— Todos nós precisamos nos sentir seguros emocionalmente para melhor enfrentar as adversidades. O grupo familiar exerce essa função de amparo emocional. Pessoas que moram sozinhas ou que estão distantes da família podem se utilizar do grupo de amigos e vizinhos que fazem parte da sua rede de proteção. Entende-se aqui "família" como um grupo que tem essa função e que se nutre de vínculos afetivos construtivos — enfatiza Patricia.
De acordo com a psicóloga, as relações sociais nos auxiliam no processo de contínuo desenvolvimento pessoal. O aumento da convivência em casa tem proporcionado, por exemplo, mais momentos para acompanhar de pertinho o crescimento dos filhos. Tirar o pé do acelerador é também uma oportunidade para aprender a ficar bem na própria companhia.
Quando as medidas de saúde permitirem, a especialista defende que será fundamental para a nossa saúde psíquica voltarmos à convivência com outros grupos:
— Aos poucos, a tendência é retomarmos os vínculos sociais, porém nada será como era antes. Aprendemos muitas coisas até aqui e continuaremos aprendendo. A pandemia é um verdadeiro teste para os que se comprometem com a sua vida e a vida de quem está no seu redor.