O universo claustrofóbico, de corredores apertados e com o ar pesado do subterrâneo, bem que podia servir como uma metáfora aos lugares desconfortáveis da mente onde nos emboscamos vez ou outra, prisões psicológicas particulares. Mas apesar de ser povoado por porões apertados, o filme Parasita propõe um sentido tão literal quanto dramático – e também nonsense – a esses espaços. As figuras que emergem dessa condição estão ali por questões muito ligadas à desigualdade social e à falta de oportunidades. Essa vida que pulsa abaixo da margem, no entanto, é capaz de conduzir uma obra completamente eletrizante, responsável por conquistar a Palma de Ouro em Cannes e favorita ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2020. Dirigida pelo sul-coreano Bong Joon-Ho, Parasita é a imperdível estreia da Sala de Cinema Ulysses Geremia nesta quinta (5) e fica em cartaz até o dia 15.
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O roteiro do longa começa a se desenrolar a partir de uma irrecusável proposta de emprego recebida pelo jovem Ki-Woo (Woo-sik Choi). Com a ajuda de um amigo, que está indo morar no Exterior; e da irmã, fera em falsificar diplomas e documentos, ele passa a dar aulas de inglês para uma adolescente muito rica. Muito bem recebido na luxuosa residência, que parece fazer parte de um mundo totalmente desconhecido para ele, Ki-Woo logo arruma um jeito de colocar seus familiares à disposição dos novos patrões. Todos estão desempregados e enxergam uma oportunidade para tirar o pé da lama trabalhando na mansão. A partir daqui, é preciso ter cuidado: tudo que se falar sobre a história pode soar como um spoiler.
Como a família de Ki-Woo, a dos patrões ricos também é formada por quatro pessoas: pai, mãe e um casal de filhos. O diretor Bong Joon-Ho se aproveita disso para explorar as enormes barreiras sociais existentes entre elas. Mas o que fica mais gritante nessa construção atmosférica é mesmo o trabalho de ambientação realizado em cada uma das residências. Enquanto a família pobre amontoa-se nos pequenos cômodos de um porão quase completamente subterrâneo, a rica vive numa mansão clean e espaçosa, ornamentada por belos móveis sob medida e obras de arte. Se a família pobre precisa se empilhar num cantinho do banheiro para acessar um clandestino sinal de wi-fi, a rica esbanja acesso à tecnologia (com inúmeras câmeras de segurança) e se locomove com um carro importado. Da minúscula janela do porão, a família pobre enxerga bêbados que urinam na rua. Já a sala dos ricos é cercada por uma parede de vidro, com vista para um gramado muito verde. Numa das cenas mais emblemáticas do longa, na qual os personagens pobres fogem da casa dos ricos a pé, a câmera deixa claro que se trata de um caminho que vai do alto para muito baixo.
Fórmula explorada fortemente por Bong Joon-Ho em Okja (produção da Netflix com Jake Gyllenhaal e Paul Dano no elenco), a construção um tanto bizarra de alguns personagens e as pitadas de humor nonsense nos diálogos também aparecem em Parasita. Essas características dão o tom autoral do filme e ajudam a tornar o roteiro mais saboroso. O longa também traz um flerte do diretor com elementos do horror, mas o mergulho mais profundo é mesmo no universo do suspense, responsável por roubar o fôlego do espectador a cada inesperada virada na história.
Apesar do roteiro repleto de elementos, é a boa e velha força dos laços familiares que dá o molho principal da trama. O discurso sobre desigualdade social é forte e atual, mas o que parece ficar ainda mais explícito é a cumplicidade fraterna que brota em situações limites. O seio familiar pode ser o porão mais profundo de todos nós.
Programe-se:
:: O quê: estreia do drama sul-coreano Parasita, de Bong Joon-Ho.
:: Quando: em cartaz desta quinta (5) até o dia 15, com sessões de quinta a domingo, às 19h30min.
:: Onde: Sala de Cinema Ulysses Geremia, no Centro de Cultura Ordovás (Rua Luiz Antunes, 312).
:: Quanto: R$ 10 e R$ 5 (estudantes, idosos e servidores municipais).
:: Duração: 132 minutos.
:: Classificação: 16 anos.