Neste 2019 completei três décadas de dedicação profissional ao jornalismo. A saga teve início em 1989, em fevereiro, quando fui admitido no jornal "A Razão" (hoje extinto), em Santa Maria. Eram outros tempos. Outro século, outro milênio, outras tecnologias, outros hábitos. E eu, claro, era outro eu. Recém egresso da universidade, cumpria o papel de um "foca" típico: o tanque interno completado com o puro combustível da vontade de fazer, disputando espaço com a inexperiência, que me levava a encarar qualquer desafio como um universo a ser desbravado, repleto de oportunidades para aprender.
O que era, mesmo. A barba espessa fazia um conjunto desgrenhadamente harmônico com a cabeleira castanha e farta, fruto da abundância capilar de quando se está nos vinte e tantos. O peso na balança também era outro, o que permitia a agilidade do entusiasmado repórter iniciante ao abraçar a missão de produzir os cadernos de bairros que o jornal encartava mensalmente, cada vez uma região específica, com seus problemas, seus anseios, suas gentes e sua voz. O motorista me largava no início da tarde na entrada do bairro e combinava de me resgatar no mesmo ponto horas depois. Lá ia eu, prancheta em punho repleta de laudas em branco, duas canetas Bic e uma pauta a ser cumprida.
De volta ao jornal, após alguns dias, era meter mãos às teclas da máquina de escrever, após lambuzar os dedos trocando a fita, e produzir os textos em meio a uma típica redação da época, engarrafada de jornalistas gritando ao telefone (celular, nem se concebia), datilografando matérias freneticamente (computador, só na Nasa), aparelhos de fax e telex vomitando notícias vindas de todas as partes do planeta (internet, nem nos sonhos mais bizarros) e colegas fumando no ambiente (coisa mais natural do mundo, no mundo de então).
O primeiro caderno de bairros sob minha assinatura circulou um mês após minha admissão ("por Marcos Fernando Kirst, da Equipe de A Razão"), indo às bancas na mesma semana em que na minha conta pingava o primeiro salário via carteira assinada. Com a grana no bolso, na manhã de sábado fui às Casas Eny, tradicional loja de calçados da região, e comprei dois pares de sapatos de camurça, pois o meu havia furado (meu primeiro "furo"?!) palmilhando as ruas esburacadas do bairro reportado.
Precisava de combustível para seguir percorrendo os recantos da vida em busca de informação, o que faço até hoje. Os calçados, claro, vão mudando, mas a vocação que orienta meus pés, segue firme.Afinal, ainda há ruas da vida a serem palmilhadas e reportadas pela aí.