Há uma espécie de gaudério que não responde exatamente aos manuais de tradicionalismo que vêm lá da fronteira. E há uma espécie de serrano que não se identifica diretamente com os costumes de descendentes de italianos e alemães tão difundidos por aqui. Trata-se de um tipo de indivíduo que orbita independentemente dessas duas estirpes, mas que representa uma espécie de híbrido entre elas. É o famoso “pelo duro”, habitante dos grotões dos Campos de Cima da Serra, dono de grande talento para desenvolver vocabulários próprios e que chama atenção pela simplicidade com que leva a vida. Personagens desse tipo, tão peculiares quanto comuns, estão contemplados no mundo das tirinhas do Jaquirana Air, que ganha novo lançamento por meio da mente criativa de Carlos Henrique Iotti.
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– É um mundo à parte, uma versão do Radicci que vive nos Campos de Cima da Serra. Não é aquele tipo de gauchão imponente cantado pelos gaudérios. É aquele gaúcho traduzido pelos Irmãos Bertussi, que chega tranquilo dizendo “ô de casa”. É um povo que simples e sincero, as mais puras das figuras – define Iotti.
Com 36 anos de trajetória, o cartunista é amplamente lembrado pela contribuição na valorização das raízes e da identidade gringa, missão do anti-herói beberrão Radicci. Com Jaquirana Air, Iotti realiza o mesmo trabalho, porém, voltando o olhar aos costumes dos rincões interioranos de nomes curiosos como Faxinal dos Pelúcios, Matemático ou Capão do Tigre. Na verdade, tanto Radicci como povo do Jaquirana Air carregam o DNA do cartunista, gringo de Caxias que passou muito verões em Jaquirana.
– Há uma ligação pessoal com o lugar. Eu tinha um tio emprestado em Jaquirana e passava os verões lá. Enquanto todos iam tomar banho de mar na praia de Curumim (o maior reduto gringo do litoral gaúcho), eu ia para o Rio Camisa – lembra Iotti, citando um dos rios que corta a paisagem campal de Jaquirana.
Se você acompanha as tiras do Jaquirana Air, já conhece a receita das piadas: transportar o universo de bagualices campeiras para o cenário improvável do interior de um avião. Trata-se da única companhia aérea que oferece paçoca de pinhão no serviço de bordo, que permite o preparo de um costelão 24 horas nos ares e que deixa o piloto sintonizar a Rádio Esmeralda (de Vacaria) para animar a viagem. Esse ambiente hilário, suspenso nos ares dos Campos de Cima de Serra, está nas 238 tiras do livro Céu de Brigadiano, desde ontem já disponível para venda no site RadicciStore (radiccistore.com.br) ao valor de R$ 25. Patrocinado pela Fundação Marcopolo, esse é o quinto lançamento de Iotti de forma independente, sem editora envolvida.
– Acho que não é o livro que está em crise, é o mercado do livro e as fórmulas antigas de distribuição – justifica ele, que além do site, também vende suas obras em lugares afetivos para os serranos como o Café Tainhas e a Casa das Cucas, possíveis cenários para uma conexão do Jaquirana Air.