Em maio de 1989, Zica Stockmans alugou uma sala no quinto andar do Edifício Centenário, no centro de Caxias, afim de receber as primeiras turmas de sua recém-criada escola de atores. Como o espaço era pequeno, sem recepção ou sala de espera, foi necessário fixar uma placa, no lado de fora, para alertar que o barulho de conversa poderia atrapalhar os ensaios: "Silêncio, tem gente teatrando", dizia o letreiro.
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Foi questão de tempo para a expressão se tornar uma forma carinhosa de se referir ao local. "Hoje tem ensaio lá na Tem Gente Teatrando", brincavam os alunos. O nome acabou sendo oficializado e, atualmente, é considerado um sinônimo de excelência na cena artística gaúcha — seja pelas cerca de 3 mil pessoas que passaram pela escola ou pelos mais de 60 prêmios conquistados em festivais.
Fato é que, com o passar dos anos, a TGT ganhou corpo e novas frentes de trabalho. Já não bastava formar artistas e montar espetáculos. A companhia passou a levar os benefícios do teatro para trabalhadores de empresas como Randon, Fras-le, Tramontina, Grendene, entre outras. Por fim, em 2010, a inauguração da nova sede, um amplo casarão localizado no bairro Rio Branco, permitiu que ela também se tornasse uma casa de teatro, oferecendo espaço para apresentações de outros grupos.
Os muitos capítulos — ou atos — dessa história serão comemorados neste sábado, a partir das 17h, na sede da Tem Gente. Aberta ao público, a festa de aniversário terá exposição de fotos e cartazes relembrando os 30 anos de resistência artística, com direito a comidinhas, chopp e roda de samba com o grupo Seresteiros do Luar.
Para entrar no clima, a reportagem do Almanaque conversou com artistas formados pela escola e compilou uma linha do tempo com as principais memórias dessas três décadas dedicadas ao teatro. Também conversamos com Zica Stockmans sobre as origens da companhia, os papéis marcantes na carreira e a tarefa — por vezes espinhosa — de espalhar arte num cenário que mescla o avanço do conservadorismo ao corte de recursos públicos para cultura.
APRENDENDO NO PALCO
Impossível contar a história da Tem Gente Teatrando sem dar atenção especial à menina dos olhos da companhia: a escola de formação. Afinal, nos 30 anos que se passaram desde a plaquinha pendurada na porta do 503 do Edifício Centenário, foram cerca de 3 mil alunos.
Gente de muitas idades e de muitos lugares. Em comum, o desejo de fazer teatro, de emprestar o corpo para os personagens de Shakespeare ou Nelson Rodrigues, ou quem sabe um dia alcançar os aplausos de Procópio Ferreira e Fernanda Montenegro.
São histórias como a de Jonas Picoli, que se matriculou em uma aula experimental pela simples curiosidade de rever as paredes rabiscadas do seu antigo quarto, mas acabou tomando gosto pela coisa.
— Abriu uma escola de teatro onde eu morava. Daí me inscrevi só para saber como estava meu quarto. Fiz toda aula, mas o meu quarto estava fechado e eu não via nada. No final, a Zica me pergunta: "e daí, gostou da aula?". Eu disse pra ela: "na verdade, eu me inscrevi só pra ver o meu quarto" — contou Jonas ao Almanaque em matéria publicada em setembro, quando o grupo que hoje dirige, o Ueba Produtos Notáveis, completou 15 anos de estrada.
Há também a história de Sandro Martins, companheiro de Zica, que teve seu primeiro contato com a Tem Gente aos 19 anos, em 1998. Vindo de Carlos Barbosa, fez o curso no ano seguinte e passou a integrar a equipe em 2001. Hoje, além de atuar, ele responde pela produção cultural da companhia, desempenhando papel fundamental na elaboração de projetos, gerenciamento do espaço e administração da escola.
— Nós temos alunos de São Marcos, Flores da Cunha, Bento Gonçalves, que chegam aqui como uma porta de entrada. E mesmo para quem faz o curso e não segue na área, sem dúvida fica a formação para a vida — conclui Sandro, que estrela a peça Lendas de Enganar a Morte ao lado da também prata-da-casa Sara Fontana.
Desde 2017, a Tem Gente Teatrando passou a contar com formação profissionalizante em teatro, sendo a primeira escola do interior gaúcho a conceder registro profissional para atores e atrizes. O curso, que tem duração de quatro semestres, formou sua primeira turma no final do ano passado — mais um passo importante na profissionalização das artes cênicas.