Iberê Camargo era o pintor das texturas em telas de grandes proporções. Ele lançava sobre a tela pás de tinta densa e pastosa. Depois de acumular tinta sobre tinta, em algum momento era possível perceber como ele extraía a imagem em meio a esse processo vertiginoso e virulento. A artista plástica caxiense Natalia Bianchi é pintora do mesmo naipe desses extratores de imagem como Iberê. Natalia extrai sua pintura da fluidez da água, deslizando a pena embebecida de tinta sobre o papel. Fosse música, Iberê seria cortante como o som polifônico e dissonante da banda Sonic Youth. Enquanto que Natalia tem a docilidade poética e monotonal das músicas da cantora Björk.
Nessa página, há o recorte de uma das oito obras que estarão à mostra a partir desta terça-feira, dia 8 de outubro, na Galeria de Arte do Campus 8 da UCS, em Caxias do Sul. Batizada de Acromatopos os desenhos de até dois metros de comprimento são um pequeno átimo de memórias que a artista flerta a partir do que consegue depreender da vida, desde a infância quando pintava as paredes da casa. Natalia tem baixa visão, enxerga entre 15% a 20% do que está visível à maioria de nós. Talvez por isso, ela busque na fluidez desse traço rasgar barreiras e romper limites, como uma forma de extrair o visível dentro do invisível.
– Falo que as minhas imagens são invisíveis para a maioria das pessoas, mas são visíveis para mim. Eu enxergo através da textura, do contraste de tons, linhas e volumes. Eu não enxergo as cores. Ao redor da imagem sempre tem o branco, fruto da fragmentação, porque não vejo toda a imagem de uma vez – revela.
Natalia busca a liberdade do traço como uma metáfora de quem enxerga a vida além do que é possível ver. E não há maior liberdade do que se lançar em voo desfiladeiro abaixo. Essa parte não é metafórica, é real. Natalia diz que sua percepção mudou quando viu as paisagens lá do alto do céu planando em um paraglider.
– Fiquei encantada quando vi a paisagem de cima. Porque quando nos afastamos de uma imagem parece que enxergamos melhor. Mas é diferente para as pessoas como eu, que têm visão parcial. Conseguimos enxergar melhor quando nos aproximamos. Essa é a poética da coisa. Por isso que não gosto de ter o controle da imagem. Gosto do acaso de trabalhar com materiais fluídos porque me dão mais sensação de liberdade.
Há quem encontre sentido na vida quando acumula riquezas nessa terra. O sentido da vida da Natalia é através da arte, do livre e fluído traço. É como se essa imagem que faz parte de uma paisagem poética lá do inconsciente ganhasse vida apesar da pseudo monotonia dos tons acromáticos. Fosse literatura, Natalia seria reconhecida como poeta concretista, que extrai poiesis através do jogo de palavras.
– A arte foi a solução mais poética que encontrei para entender o mundo. Esse é o meu mundo, assim que eu enxergo e assim é que eu quero viver. Espero que as pessoas consigam, através das minhas obras, olhar para um outro ponto de vista. Me interesso muito por esses olhares cruzados das pessoas sobre as minhas imagens. Eu me alimento do olhar do outros sobre o meu.
Haverá ainda nesta terça-feira, logo após a solenidade de abertura, um bate-papo com a artista visual Natalia Bianchi e a curadora Silvana Boone, na Galeria de Arte do Campus 8.
Agende-se
O quê: abertura da exposição Acromatopos, de Natalia Bianchi.
Quando: terça-feira, dia 8 de outubro, a partir das 19h30min. Visitação até 28 de outubro.
Onde: Galeria de Arte do Campus 8, da UCS.
Quanto: entrada franca.
Curadora: Silvana Boone.