Na última semana, três pautas que a esquerda julga urgentes — direitos humanos, ecologia e liberdade de gênero — foram colocadas em xeque. "A Amazônia está a arder como nunca", estampava a manchete do jornal Expresso, de Portugal, expondo o Brasil ao mundo. "O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, comemora a ação policial ao pousar de helicóptero na ponte Rio-Niterói", escreveu a revista Veja, em reportagem veiculada no site, após o desfecho do sequestro. "Prefeitura nega espaço da Marquês do Herval para realização da Parada Livre em Caxias do Sul", noticiou o Pioneiro, a respeito da dificuldade do movimento LGBT em encontrar um local para expressar suas ideias.
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Cada notícia dessas tem suas defesas nas redes sociais, por exércitos que lutam por comunicar a sua visão de mundo. No Almanaque do último final de semana (17 e 18 de agosto) foi abordado "Quem são e o que pensam os conservadores caxienses". Nesta edição, será revelado o pensamento de quem tem uma visão mais progressista e à esquerda. Uma das entrevistadas é Lilia Schwarcz, historiadora e doutora em antropologia social pela Universidade de São Paulo, que recentemente lançou Sobre o autoritarismo brasileiro e já integra a lista dos mais vendidos.
—Penso que são muitas as agendas da esquerda que incomodam a direita. A primeira questão é a do meio ambiente, que bate de frente com o setor do agronegócio — provoca Lilia.
Bandeira feminista
Outras pautas que têm gerado repercussão negativa junto aos conservadores é o relacionamento homo afetivo e o feminismo. Isso ficou bem evidente na repercussão das declarações da fisioterapeuta e educadora física Nadja Rippel, que ensinava como havia "convertido" muitas feministas.
— No momento em que eu lia a entrevista com a Nadja (Nadja Rippel, entrevistada para a reportagem sobre Conservadorismo, na edição 870 do Almanaque), fiquei em choque. Esse discurso dela apareceu muito durante a eleição, mas fiquei em choque porque eu já devo ter esbarrado com ela no mercado, afinal Caxias não é uma cidade tão grande assim. A gente lê uma coisa dessas nas redes sociais, mas nunca imagina que uma pessoa próxima fala tudo aquilo. Eu pensava: "Deus, isso não é real!" — desabafa a empresária Lídia Ribeiro, 37 anos.
Na mesma linha, Andressa Campanher Marques, estudante de Serviço Social da UCS, presidente da União da Juventude Socialista em Caxias e vice-presidente municipal do PCdoB, diz que "foi usando os dois lados do cérebro e o lado esquerdo do peito que me tornei feminista".
— Já converti várias mulheres em feministas. Eu converso com elas e digo: "Se as mulheres tivessem as mesmas oportunidades que os homens, recebessem salários iguais, não tivessem que ser as únicas responsáveis pelos cuidados dos filhos, não fossem tratadas como objeto, ou não fossem as maiores vítimas de violência doméstica e sexual na sociedade, tu não ficarias mais tranquila? Todas com quem eu falo, se emocionam e dizem que sim. Porque elas sabem das suas vidas e das suas experiências. Por isso que eu digo: ser feminista, para nós mulheres, é uma necessidade!" — desfere Andressa, como quem finca sua bandeira no cume de uma montanha.
Sombra da ditadura
A advogada Mônica Montanari e o historiador Antônio Leite revelam que foram adolescentes durante a Ditadura Militar. Leite entende que se os brasileiros conhecessem o que foi aquele período jamais elegeriam Jair Messias Bolsonaro (PSL) como presidente.
— Eu sempre digo às pessoas para que leiam o livro Brasil: nunca mais. Se as pessoas conseguirem ler e não se tocarem, aí perdi a esperança — argumenta Leite, 53 anos, diretor da Escola Municipal Ramiro Pigozzi.
Brasil: nunca mais foi um projeto desenvolvido por Dom Paulo Evaristo Arns, pelo rabino Henry Sobel, e pelo pastor presbiteriano Jaime Wright, e realizado clandestinamente entre 1979 e 1985 durante o período final da ditadura militar. Leite entende que o livro é um relato amargo da repressão e tortura, e espera nunca mais passar por isso novamente. Mônica entende que o medo do passado nunca foi embora, e revela que hoje o medo maior é das mulheres.
— Eu não tenho medo do Bolsonaro, tenho medo do que o Bolsonaro desperta nas pessoas. Tenho medo de como ele legitima algumas questões que já estavam superadas, como o feminismo e o relacionamento homo afetivo. Quando o Bolsonaro fala que a mulher é tão feia que nem merece ser estuprada, ou quando ele diz que lugar de mulher é em casa, e que as mulheres do nordeste são estupradas porque não usam calcinha... De onde saiu isso? Como tem gente que ainda reforça esse discurso?
O Lula é uma arma
As revelações da Vaza Jato, em que estão sendo colocadas à prova as relações entre diferentes instâncias do Judiciário, têm feito com que os progressistas tenham perdido um pouco do receio de falar de Luiz Inácio Lula da Silva.
— O Lula é uma arma apontada para a direita, por isso que ele ainda esta lá na cadeia. É doloroso dizer, mas não sei quanto tempo ele ainda aguenta. Sou contra a personificação, ele não é a esquerda, mas sempre seremos o Lula aqui fora — defende Estela Balardin Da Silva, 19, ex-presidente da União Caxiense dos Estudantes Secundaristas.
Antônio Leite corrobora o pensamento de Estela.
— Não dá pra negar que o Lula hoje, por tudo que tem passado nos últimos tempos, tem uma simbologia muito grande. O Lula não foi morto até agora porque ele vira um mártir, vira um Che Guevara. Seria muito fácil, porque seguidamente aparecia alguém enforcado na cadeia, foi assim na ditadura.
Mas Mônica Montanari pondera:
— O Lula, com o respeito que eu tenho por ele, não tem mais a vitalidade que tinha. Não é nem justo que as pessoas esperem que ele saia da prisão e retome a vida política, a ponto de concorrer.
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