A cada quinze dias, sempre às sexta-feiras, André Fortunato, entra pela portaria do Hospital Geral, em Caxias, atravessa os corredores, atalha caminhos, por vezes usa a escada e ascende ao quarto andar. Na sala de recreação, André veste um jaleco branco, mas customizado com cores para que seja mais divertido e fique menos com cara de médico. Carregando a prancheta com as folhas brancas e um estojo preto no bolso, sobe pelas escadas ao quinto andar, na área da oncologia adulta, onde a mágica toda começa.
André distribui sorrisos para quem encara o tratamento contra o câncer. A doença, virou sinônimo de tudo o que é ruim, como a corrupção, a intolerância, e tantas outras discrepâncias. Ainda não foi comprovado que o riso matar o câncer. Mas, com certeza, dá um chega pra lá na tristeza. O traço ligeiro e o desenho simples, não diminuem o valor desse tempo de doação. André poderia estar em casa, trabalhando, lavando a louça, ou até dormindo, mas não. Ele abre mão do seu tempo para doar sorrisos.
A vida anda tão contraditória. Há jovens com sede da morte, ao mesmo tempo em que idosos estão desesperados por driblar a morte. André tem refletido muito sobre pessoas que apenas reclamam de suas desilusões. André entende que elas deveriam visitar os hospitais para fazer algo pela vida do próximo, ao invés de só se lamentar da sua condição.
– Eu tenho aprendido muito e recebido muito dessa gente para quem tenho me doado – ensina André Fortunato, 53 anos, cartunista e ilustrador.
André começou essa viagem lúdica através dos corredores do Hospital Geral, há três meses. Duas situações contribuíram para essa decisão. A primeira delas, e mais impactante, foi a morte da mãe, Loiva, aos 67 anos, por decorrência do câncer, em março de 2016. Naqueles dias que antecederam a morte, dias de profunda dor, desligamento e adeus, André foi surpreendido e impactado por gente voluntária.
– Na época, eu estava esperando minha mãe falecer, eu estava triste e pensativo. Aí, chegaram duas senhoras, e uma delas me perguntou: “Posso te dar um abraço?”. Eu fiquei surpreso, mas disse que sim. Ela não falou nada só me deu um abraço bem forte. Eu perguntei quem elas eram, e me responderam: “Somos voluntárias, viemos aqui para abraçar pessoas” – lembra André, enquanto desenha.
Caminhar pelo hospital, é também oportunidade para encontrar gente que doa abraços, orações, remédios, roupas, sorrisos. Mas ainda há tantos que precisam de tanto. A cura talvez seja o bem que todos mais buscam, principalmente na oncologia. Mas enquanto a cura não vem, André revela que chamou a sua atenção durante o tempo em que a mãe ficou internada entre a vida e a morte, o cuidado humanizado das enfermeiras. Parece redundante falar em “cuidado humanizado”, porque pressupõe-se que humanos tenham um trato humanizado. Mas não é o que se vê, de um modo geral.
– Esse cuidado humanizado das enfermeiras me motivou muito para vir fazer um trabalho voluntário aqui no Hospital Geral. Porque todos foram muito especiais com a minha mãe.
Tem de pagar?
Em uma sexta-feira de julho, acompanhamos como André faz seu voluntariado. Entra no quarto, timidamente, procurando uma oportunidade para conversar com os pacientes e perguntar, como quem não quer nada:
– Podemos fazer uma caricatura sua?
– Tem de pagar? Vim desprevenido, sem dinheiro.
– Não se preocupe, não custa nada.
– Ah, então tá bom, pode sim.
Sem muita cerimônia, André saca o lápis do bolso e em questão de segundos surge o esboço do paciente. Dessa fase, até ficar pronto o desenho, é interessante ver como cada um reage diante da espera. Sérgio Borges Monti, esse que perguntou se tinha de pagar, estava um pouco sonolento, em função do medicamento, mas assim que André começou a desenhá-lo, num gesto de espontaneidade, como se fosse posar para uma fotografia, ajeitou a camiseta e acomodou-se melhor na cama.
– É normal, tem muita gente que pensa que vou fazer uma foto e não um desenho – explica André.
Sérgio foi diagnosticado com câncer há três meses.
– Eu ia no posto de saúde e reclamava de dor no peito, mas eles me diziam que era por causa da musculação que eu fazia. Mas depois de uns exames me disseram que era o tal de câncer, no pulmão e na cabeça – revela Sérgio Borges Monti, 50 anos, carpinteiro, que até há pouco tempo trabalhava em um supermercado.
A caricatura não cura, mas despertou um sorriso tímido em um corpo abatido e cansado pelo tratamento.
Alegria em meio à dor
No mesmo quarto de Sérgio estava um simpático senhor de bigode, chamado Rogério de Vargas Meyer, 64 anos, aposentado. Em parte, parecia mais aliviado do que Sérgio, porque estava à espera da alta. Não por causa da cura, mas porque havia recebido o tratamento e estava bem para ir para casa. Enquanto André fazia a caricatura, Rogério veio com essa:
– Agora sim, eu vou saber como sou feio – disse, em meio às gargalhadas, que pareciam atravessar paredes.
– Olha, milagre eu não faço. Melhorar eu não posso, só deixo a pessoa pior – brinca André, naturalmente, referindo-se à beleza e não ao estado de saúde.
Por instantes, era como se não houvesse dor, nem quimioterapia, nem provável cirurgia. Rogério foi recém-diagnosticado do câncer, em um mês apareceu no intestino e também no fígado.
– Olha, ainda bem que descobri cedo. Eu tô no lucro. Tenho 64 anos, dois filhos já crescidos e encaminhados na vida, que me deram dois netos. Sabe, a medicina já está bem avançada e tem várias alternativas de tratamento – avalia Rogério, com a fé de quem toca corações insensíveis.
No momento da revelação da caricatura, Rogério mostrava-se bastante inquieto e ansioso. Ainda deitado na cama, à espera da liberação por parte dos médicos, sorria antes mesmo de ver o seu retrato desenhado.
– Como é que ficou? – perguntava Rogério.
Quando André mostrou a ele o desenho, a reação falou mais do que pudesse traduzir em palavras. Com o mesmo sorriso de atravessar paredes e tocar corações de pedra, Rogério disse, emocionado:
– Gostei!