Um livro infanto-juvenil. Dito assim, soa tão pequeno e desinteressante. E se dissermos se tratar de um livro que investiga a identidade, a luta quase corporal dos adolescentes ávidos por dizer quem são e a que vieram? Indo um pouco mais além, e se a obra invocar o choque entre as expectativas e as frustrações nossas de cada dia, sejamos meninos e meninas, ou homens e mulheres?
Em resumo, um tratado sobre a maturidade em tempos entorpecidos de angústia, desamor e individualismo. Trágico? Não mesmo. Depois do começo (Elos do Conto, 88p.) é um recorte da vida como ela é, de jovens tentando sobreviver em meio ao casos das relações distópicas, cuja redenção é mais do que parte da narrativa, porque revela a fé de Helô Bacichette por um mundo melhor. Depois do começo será lançado neste sábado, dia 1º de junho, no Zarabatana Café, do Centro de Cultura Ordovás, em Caxias do Sul.
Tudo começa antes do começo. Com perdão da redundância, antes de ensinando crianças a juntar letras e a formar frases, em sala de aula, como profe do ensino fundamental, Helô, que nasceu Heloísa em Caxias, em 1961, só encontrava livros quando ia para a biblioteca.
— Meus pais estudaram até o 4º ano primário, por isso, na minha casa nem tinha livros. O primeiro que entrou na minha casa foi uma enciclopédia de mecânica chamada Dubbel. Eu achava lindo, eram de capa dura, com o título em letras douradas — recorda Helô, coordenadora do Programa Permanente de Estímulo à Leitura (PPEL), da Secretaria da Cultura de Caxias.
Com o tempo, ela aprendeu que há um caminho ainda desmerecido nesse processo de transferência do gosto pela leitura.
— Existe uma história de leitura paralela com a tua história na relação com os livros. Minha mãe não teve ligação como leitora, mas ela amava me falar da Cabana do Pai Tomás. Ela nunca leu A Cabana do Pai Tomás, mas ela me falava da história. Eu acabei, anos mais tarde, indo atrás dele por causa da fala da minha mãe. Por isso que eu cultivo sempre a dor da falta que me fez a leitura — revela Helô, parafraseando, sem perceber, um dos fundamentais livros do poeta Carlos Drummond de Andrade, A falta que ama.
Helô, inclina-se à mesa do café, e prossegue em seu raciocínio afetivo, nem por isso menos intelectual.
— Eu sempre penso nessa lacuna da não-presença dos livros na minha casa... — divaga.
Como quem acessa o baú de memórias e escolhe uma das peças do mais íntimo acervo, Helô revela:
— Essa lacuna foi preenchida pela escola, porque eu ia na biblioteca, já que não tinha livros na minha casa.
Esse trajeto entre o autor e o leitor talvez seja o mais íngreme, tortuoso, mas ao mesmo tempo delicioso percurso. E é justamente por entender desse processo, e saber que o livro não é apenas um objeto para estampar livrarias, que Helô dedica Depois do começo aos mediadores da leitura: "por compartilharem a paixão de descobrir e entender o mundo".
— A mediação de leitura é essencial. Se olhar na tua história de leitor, alguém te deu um toque de leitura. Sabe, eu acredito na educação do olhar e na educação dos sentimentos — defende Helô, honrando essas tantas pessoas anônimas que estreitam pontes entre autores e leitores.
Embora tenha mais interesse pela poesia, Helô tem se desafiado ao exercício da prosa, como é o caso desta seleção de contos contido em Depois do começo.
— Eu tenho muito mais trânsito com a poesia do que a prosa. A maioria dos meus livros infantis são escritos em poesia narrativa. E na prosa, eu tenho mais dificuldade então o exercício pra mim foi muito difícil. Esses contos estão sendo trabalhados há muitos anos. E para lançar fiz uma autocrítica grande, além de mostrar ele para algumas pessoas antes de decidir publicar — conta, citando que um dos responsáveis pelo aconselhamento foi o jornalista e editor literário, Dinarte Albuquerque Filho, também responsável pelo projeto gráfico e diagramação.
Como objeto, o livro chama muito a atenção justamente pelo diálogo entre texto e imagem.
— Eu queria um livro que conversasse com a linguagem escrita de um modo mais pop, ao mesmo tempo que atingisse o adolescente. Pensei qual o ilustrador? O Fredy, né. Porque eu sabia que ele toparia o desafio — conta.
Desafio é lançar 23 livros em 22 anos de carreira, com um sorriso contagiante e a energia de quem está a escrever os primeiros versos da primeira obra.
Pocket Show
No dia do lançamento, haverá o pocket show de MPB com a dupla Valen e Poli, em que será cantada a versão da música Divina comédia humana, de Belchior, cuja letra cita os versos de Soneto XIII, de Olavo Bilac.
AGENDE-SE
O quê: sessão de autógrafos do livro Depois do Começo, com a escritora Helô Bacichette e o ilustrador Fredy Varela
Quando: sábado, a partir das 17h
Onde: Zarabatana Café (Centro de Cultura Ordovás - Caxias)
Quanto: Preço especial de lançamento, R$ 25