Qual é o futuro de um guri que cresce na colônia, ali nos arredores da capela de São Tiago, em Mato Perso, distrito de Flores da Cunha? Arrisca-se a dizer agricultura, apicultura, pecuária. Talvez o mais ousado pudesse sonhar que um guri desses poderia virar um razoável jogador de futebol. Mas nem o mais otimista e esperançoso diria que um guri desses poderia se tornar um artista plástico. Pois essa é a história de Antonio Giacomin. "Entre meus irmãos, eu fui o único a nascer no hospital, pois, na época, nenhuma das duas parteiras que a localidade contava estava disponível. Uma havia recém falecido e a outra estava em viagem para Santa Catarina", escreve Giacomin no livro Ilustrações da vida - Cores da Infância, cujos desenhos estarão em exposição a partir desta quinta-feira na Galeria Municipal de Arte Gerd Bornheim da Casa da Cultura.
— Devo muito ao período da minha infância o artista que sou hoje. Me criei no interior até os nove anos, eu não tinha brinquedos na época, mas tinha sonhos — revela Giacomin, que completa 39 anos de carreira.
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Sonhos são apenas ideias se não realizados. E assim foi com Giacomin. Ele não ganhou brinquedos de presente, mas sonhava brincar com eles. Movido de um impulso criativo e da assistência dos irmãos, o pequeno Antonio criava seus brinquedos a partir de latas velhas de óleo de cozinha, uma tábua, alguns pregos e tampinhas de refrigerante. E brincava e brincava na rua até ao entardecer. "Assim meu dia terminava com a alma lavada e, obviamente, a roupa toda suja, que tirava para dormir. No dia seguinte, lá estava ela, prontinha pra ser vestida de novo", escreve o artista.
Hoje é mais fácil explicar como aquele menino pensava. Mas ainda é muito difícil fazer com que a maioria das pessoas entenda como funciona a cabeça de um ser criativo.
— Além de dominar a técnica, o uso da luz e sombra, composição e formas, a minha infância me ajudou muito a construir essa parte que está por trás de uma grande pintura. Eu aprendi a construir a minha história. Eu entendi a vida através da pintura, através da plasticidade. Eu entendi a vida através da pintura — divaga Giacomin.
Essa imensidão da vida, sobretudo da observação do arista a partir desse recorte da infância pode ser depreendido através da leitura do livro Ilustrações da vida - Cores da Infância, apanhado de 88 páginas em que o autor narra sua história em meio a desenhos que pontuam o relato. Já na exposição, que fica em cartaz na Galeria Municipal até o dia 27 de abril, o público pode conferir 126 aquarelas de pequeno formato, cinco telas em acrílico e dez caixotes de madeira, desses de verdura, contendo brinquedos reconstruídos pelo artista, como se fossem lá no tempo em que era guri no interior de Mato Perso.
Dentro do contexto do mundo da artes, Giacomin continua a ser um autor do interior. Afinal de contas, Caxias não é o centro, nem mesmo uma cidade satélite desse universo artístico. No entanto, o artista plástico entende que sua obra está bem inserida nesse contexto da pós-modernidade. Para Giacomin, a maior ênfase tem sido na arte que choca e assusta. No entanto, a sua praia não é essa:
— O mundo está um pouco perdido — acredita.
Para o artista plástico, a arte atualmente, reflete a polaridade que está tão exposta através da política.
— Estamos vivendo um ano bem problemático — observa. E complementa:
— A minha crítica passa ao largo dessas coisas tristes, mesmo com o sofrimento iminente, eu consigo enxergar um lado da arte que é construtivo.
O guri Giacomin, que na infância vivia em uma casa simples e brincava com carrinhos feitos de lata de óleo, mostra que depurou o senso crítico através da arte. E, de certa forma, pintar telas levou o guri a transpor um abismo que o separava desse mundo vasto mundo. Diferentemente do poema escrito por Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Giacomin parece ter recebido uma sentença sutilmente diferente:
Quando nasci um anjo torto
desses que vive na sombra
disse: Vai, "Giacomin"! Ser "aquarela" na vida.
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