Alvo de críticas e debates acalorados durante as eleições 2018, a Lei de Incentivo à Cultura – popularmente conhecida como Lei Rouanet – traz um retorno 59% maior do que o valor financiado. Ou seja, a cada R$ 1 investido em ações culturais, R$ 1,59 retornam aos cofres públicos devido à movimentação de setores como transporte, turismo e alimentação. É o que mostra um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), publicado em dezembro, que analisou dados dos mais de 53 mil projetos realizados nos 27 anos da lei.
Mas você sabe como funciona o principal mecanismo de fomento a projetos culturais do país?
Proposta em 1991 pelo então secretário de Cultura do governo Collor, Sérgio Paulo Rouanet, a lei concede benefícios fiscais a cidadãos e empresas que investem em atividades como peças de teatro, exposições artísticas, festivais de música e produção de filmes. Em troca, os apoiadores podem deduzir o valor investido do Imposto de Renda (até 6% no caso de pessoas físicas e 4% para pessoas jurídicas). Ou seja, o governo abre mão de uma pequena fatia da arrecadação para que esses recursos sejam repassados diretamente aos projetos.
E como é feita a escolha dos artistas beneficiados?
Após a inscrição da proposta na página do Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic), uma comissão mista formada por membros do poder público e da sociedade civil analisa o projeto e a documentação. Passando dessa fase, a proposta segue para análise de profissionais de sua área específica (cinema, teatro, literatura, etc.). Vale ressaltar que o grupo de avaliadores não julga o mérito ou valor artístico da ideia, mas sim o preenchimento dos requisitos formais para sua realização. Com o projeto aprovado, o artista ou produtor cultural pode visitar empresas em busca de recursos para tirar a ideia do papel.
Em Caxias do Sul, foi o que aconteceu com a Escola Popular de Artes, projeto da Companhia Tem Gente Teatrando que proporcionou aulas gratuitas de teatro, dança e música para estudantes da rede pública no contraturno da escola. Contemplada duas vezes pela Lei Rouanet, a iniciativa atendeu turmas de 20 adolescentes em 2012 e 2015. Na última edição, os R$ 117 mil captados junto a empresários locais garantiram a compra de material didático, uniformes, alimentação e acompanhamento pedagógico com monitores contratados.
— A Lei Rouanet é perfeita? Não, mas muitos projetos só acontecem por conta dela. Projetos na periferia, com crianças que muitas vezes não teriam condições de ir a um espetáculo de teatro ou a um show de música. Quando alguém assiste algo que foi feito através dessa lei, deve entender como algo positivo, pois está vendo na prática para onde foi uma parte do seu imposto — defende o produtor cultural da Companhia TGT, Sandro Martins.
A aprovação de um projeto pela comissão avaliadora, no entanto, não garante sua execução, pois nem sempre a peregrinação “porta em porta” dá resultado. A artista caxiense Tadiane Tronca, que em 2010 chegou a lançar o livro Script via Rouanet, enfrentou dificuldades para sensibilizar possíveis investidores para uma obra que abordaria a proteção do patrimônio histórico de Caxias do Sul nas últimas quatro décadas. Aprovado para captação em 2015, ela não conseguiu arrecadar o mínimo de 20% do orçamento de R$ 29,4 mil para financiar o livro.
— Eu peguei uma época de crise, quando as empresas seguraram os investimentos, mas o que mais atrapalha é que muitos empresários não entendem o alcance dos produtos culturais. Ainda não se entende a visibilidade que um livro ou um show pode oferecer à marca — analisa Tadiane.
Polêmicas
Boa parte dos questionamentos à Lei Rouanet está relacionada a distorções que são reconhecidas pela própria classe artística, como a concentração de projetos aprovados no eixo Rio-SP e a facilidade que produções maiores desfrutam na hora de captar recursos. Nesse sentido, alguns casos ganharam bastante repercussão, como a primeira turnê brasileira do Cirque du Soleil (2006), o blog da cantora Maria Bethânia (2011) e a turnê de Claudia Leitte (2013).
— Eu concordo que a lei precisa passar por mudanças, até para garantir que produções do interior do Brasil também tenham oportunidade. Mesmo assim, ela é muito importante e ninguém vive da Rouanet. É um mecanismo de apoio a produções artísticas, onde todo o gasto deve ser comprovado através de notas ficais, numa prestação de contas que é bem trabalhosa — pondera o produtor Sandro Martins.
Montante
Com a renúncia fiscal da Lei Rouanet, o governo federal deixa de arrecadar cerca de R$ 1,2 bilhão por ano. Pode parecer muito, mas, para efeito de comparação, a renúncia anual na área de comércio e serviços ultrapassa os R$ 75 bilhões.
ENTENDA COMO FUNCIONA A LEI: