Bertalha, buva, língua de vaca, ora-pro-nóbis, serralha e capuchinha. Talvez os nomes não lembrem algo apetitoso, mas basta se despir de alguns preconceitos culinários para mergulhar no saboroso universo das plantas alimentícias não convencionais. Conhecidas como pancs, sigla autoexplicativa criada pelo pesquisador botânico Valdely Ferreira Kinupp, elas mesclam alto valor nutricional à preservação ambiental, uma vez que são facilmente encontradas na natureza e dispensam técnicas complexas de manejo de solo ou utilização de agrotóxicos.
A produtora orgânica e médica infectologista Andrea Basso não esconde o entusiasmo quando fala sobre o assunto. Ela é uma das responsáveis pelo sítio Caminho da Floresta, que pode ser considerado um oásis na produção agroecológica. Localizado no interior de Forqueta, o sítio fornece uma variada gama de pancs para comercialização na Feira Orgânica, realizada nas manhãs de sábado na Praça das Feiras, em Caxias.
— A maior parte das pancs faz parte daquilo que chamamos de banco de sementes da terra. Quando a gente mexe na terra para produzir alface, por exemplo, elas surgem espontaneamente. Claro que se pode guardar as sementes para produzir em vasos, inclusive em apartamentos, mas se a gente puder coletar diretamente na natureza é muito melhor — explica Andrea, que se dedica desde 2007 aos sistemas agroflorestais, uma corrente da agricultura ecológica que defende o aproveitamento do banco genético já disponível no solo para produzir alimentos.
Além de sustentável, o consumo das pancs também carrega uma série de benefícios à saúde:
— Para se manter saudável, o nosso organismo precisa de determinados minerais e vitaminas, sendo que a alimentação industrializada não contém esses elementos em quantidade suficiente. O que a gente vê hoje? Muitas crianças com déficit de atenção, com hiperatividade ou autismo. Por isso eu defendo a busca por uma alimentação de qualidade. É aí que entram essas plantas, que além do valor nutricional possuem baixíssimo custo de produção — completa Andrea.
A agricultora Marli Ruchel também é adepta do consumo das pancs. Há nove anos ela decidiu abandonar a profissão de farmacêutica para se dedicar à produção orgânica no sítio Grünes Paradies, em Fazenda Pirajá, a cerca de seis quilômetros do centro de Nova Petrópolis. Além da mudança de ofício, Marli também criou novos hábitos alimentares, incluindo na sua dieta as plantas que crescem naturalmente na propriedade. O resultado, conforme a agricultora, foi além das expectativas:
— Nunca mais precisei de medicamento industrializado. Antes chegava a ter uma lista de remédios que descontava direto do salário, que tinham que ser comprados sempre. Agora eu nem preciso mais entrar em farmácia — comemora.
Mas os benefícios das pancs não são defendidos apenas pelos produtores orgânicos. A médica nutróloga Daniela Kappes também recomenda incluir as plantas alimentícias não convencionais na dieta diária. Conforme a especialista, o maior desafio para popularizar essa alternativa alimentar consiste na busca de conhecimento sobre as variedades que podem ser consumidas. Outro desafio é saber como prepará-las corretamente.
— O consumo das pancs é uma alternativa nutricionalmente adequada, rica em fibras e nutrientes, além de ser recomendado para quem possui alguns tipos de intolerância alimentar. Mas nós precisamos quebrar esse paradigma, pois a nossa região ainda é um pouco resistente a novos hábitos. Vejo em outros locais do país um movimento interessante na busca de informações, até porque algumas plantas comestíveis foram confundidas por muito tempo com ervas daninhas — completa Daniela.
Traços orgânicos em exposição
Alternativa alimentar farta em nutrientes – além de ecologicamente sustentável –, as pancs também podem oferecer um delicioso espetáculo visual. Basta prestar atenção na diversidade de cores e formatos: seja o marcante tom alaranjado da flor de capuchinha, a textura rugosa das folhas de peixinho ou a delicadeza das pétalas de serralha. Foi justamente essa riqueza de detalhes que inspirou a exposição Pancs Contemporâneas, em cartaz no Centro de Cultura Ordovás, em Caxias do Sul, até 4 de novembro.
Assinada pelo artista caxiense Rafael Ribeiro, a mostra reúne 14 telas ilustradas à mão com caneta, tinta acrílica e giz de cera, além de uma 15ª tela que mescla técnicas de colagem com desenho. Ribeiro, que há cerca de um ano também trabalha como agricultor orgânico na região, diz que um dos objetivos da mostra é levar ao público um novo universo de aromas e sabores.
— Como artista e produtor orgânico, tento falar de maneira acessível para despertar a curiosidade das pessoas sobre as pancs. A gente precisa perder o medo de experimentar coisas novas, como uma urtiga, por exemplo. Trata-se, na verdade, de um desafio pessoal em busca das descobertas, e a alimentação com plantas pode ser muita rica e interessante – defende.
Visita guiada: para quem deseja conferir o trabalho de perto e ainda conversar sobre as inspirações que resultaram na exposição, o artista Rafael Ribeiro promove um passeio guiado na próxima quinta (25), às 19h. Interessados podem se inscrever gratuitamente até terça (23) pelo uniartes@caxias.rs.gov.br.
Para fazer em casa:
Patê de urtiga
Rendimento: 500g
Ingredientes:
300g de inhame
1 maço de urtiga dioica
2 cebolas
Azeite de oliva a gosto
Temperos (salsa, tomilho e cebolinha verde)
Sal a gosto
Suco de meio limão-bergamota
1 colher de sopa de chia ou linhaça
Modo de preparo:
1. Descasque e corte o inhame em cubos.
2. Cozinhe o inhame com água suficiente para cobrir o conteúdo da panela. Depois de cozido, deixe esfriar.
3. Usando luvas, coloque as folhas e ramos jovens da urtiga em um recipiente com água quente por aproximadamente dois minutos. Em seguida, lave com água fria e escorra.
4. Pique as cebolas e refogue com a urtiga e com os temperos.
5. Bata no liquidificador o inhame cozido com o refogado de urtiga e temperos. Adicione o suco de limão-bergamota, o azeite de oliva, a chia, o sal ea água até dar o ponto do patê.
6. Depois de pronto, conserve na geladeira em um recipiente fechado. Dura até seis dias.
Refogado de PANCs
Rendimento: 4 porções.
Ingredientes:
50g de bertalha
50g de picão preto
50g de língua de vaca
50g de capuchinha
50g de buva
50g de serralha
1 cabeça de alho
Óleo de coco
Sal e temperos a gosto
Modo de preparo:
1. Pique o alho e refogue no óleo de coco por dois minutos.
2. Lave as folhas das Pancs e misture no alho refogado por mais três minutos. Tempere.
3. Depois de pronto, o refogado pode ser servido puro ou ser utilizado como recheio para lasanhas e panquecas. Também serve para cobertura de pizzas.