Propondo um olhar trágico sobre a adolescência e sobre as relações contemporâneas envoltas pelo universo digital, o longa Ferrugem, dirigido pelo baiano Aly Muritiba, conquistou o kikito de melhor filme no 46º Festival de Cinema de Gramado. O cineasta falou da importância do pode transformador do feminino em sua obra e lembrou que a maior parte da equipe do longa foi formada por mulheres. Quem entregou o prêmio foi o ator e homenageado nesta edição do festival Ney Latorraca, que fez relação com a gafe ocorrida na Oscar em 2017 ao anunciar o escolhido.
— O vencedor é La La Land — brincou, arrancando gargalhadas da plateia que lotou o Palácio dos Festivais no sábado à noite.
Mas o tom da premiação foi bem mais sério do que isso na maior parte do tempo. A noite foi marcada pelas já tradicionais manifestações políticas, além de críticas contundentes ao novo formato de edital da Agência Nacional do Cinema, que dificulta o ingresso de curtas — vários realizadores usaram camisetas com a inscrição “Ancine, eu existo”.
Cineastas premiados por seus curtas também aproveitaram o espaço no palco para discursar evocando a temática de seus filmes, como as memórias traumáticas da ditadura (Torre), a violência desenfreada nas periferias (Kairo) e a defesa pela causa LGBT (Estamos Todos Aqui).
A distribuição moderada de prêmios na categoria longas brasileiros (dos oito concorrentes, apenas dois ficaram sem troféu) também chamou atenção durante a festa. O maior premiado foi o uruguaio/paraguaio Las Herederas, que levou seis troféus.
Um dos momentos mais acalorados da premiação ocorreu durante a manifestação de Osmar Prado, premiado como melhor ator por sua performance impressionante no filme 10 Segundos para Vencer (no qual interpreta o personagem real Kid Jofre, pai do boxeador Eder Jofre). Além de destacar a emoção em receber seu primeiro kikito depois de 60 anos de carreira, o ator fez ainda uma manifestação política que dividiu o público no Palácio dos Festivais. Ele criticou a prisão de Lula e defendeu o restabelecimento do estado democrático do país. A plateia se manifestou com aplausos (de pé) e vaias durante quase um minuto.
— Pode vaiar — disse o ator, com tranquilidade.
Prado foi reverenciado por vários outros artistas que subiram ao palco depois dele, como a diretora Nara Normande, que levou o kikito de melhor curta-metragem brasileiro por Guaxuma (uma impressionante animação feita com areia); e como Karine Teles (escolhida a melhor atriz do festival pelo trabalho em Benzinho). Karine também deixou um recado sobre o poder transformador do cinema, evidenciando a temática do filme co-roteirizado e estrelado por ela.
— O cinema tem essa possibilidade de sugerir novas opções e a gente sugere (no filme Benzinho) que se caminhe para frente e se enfrente as dificuldades que estão por vir com amor. Violência, ódio, a gente sabe que isso não é eficaz, não resolve. Amor como energia, não como romantismo ou pieguice, amor como potência. Viva o amor — defendeu.
Confira todos os premiados:
*Curtas
Melhor desenho de som: Fabio Carneiro Leão, por Aquarela
Melhor trilha musical: Manoel do Norte, por A Retirada para um Coração Bruto
Melhor direção de arte: Pedro Franz e Rafael Coutinho, por Torre
Melhor montagem: Thiago Kistenmacker, por Aquarela
Melhor fotografia: Beto Martins, por Nova Iorque
Melhor roteiro: Marco Antônio Pereira, por A Retirada para um Coração Bruto
Melhor ator: Manoel do Norte, por A Retirada para um Coração Bruto
Melhor atriz: Maria Tujira Cardoso, por Catadora de Gente
Prêmio especial do júri: Estamos Todos Aqui
Prêmio Canal Brasil: Nova Iorque
Júri popular: Torre
Direção: Fabio Rodrigo, por Kairo
*Longas latinos
Melhor fotografia: Nelson Waistein, por Averno
Melhor roteiro: Marcelo Martinessi, por Las Herederas
Melhor ator: Néstor Guzzini, por Mi Mundial
Melhor atriz: Ana Brun, Margarita Iun e Ana Ivanova, por Las Herederas
Prêmio Especial do Júri: Averno
Júri popular: Las Herederas
Melhor direção: Marcelo Martinessi, por Las Herederas*
*Longas brasileiros
Melhor desenho de som: Alexandre Rogoski, por Ferrugem
Melhor trilha musical: Max de Castro e Wilson Simoninha, por Simonal
Melhor direção de arte: Yurika Yamazaki, por Simonal
Melhor montagem: Gustavo Giani, por A Voz do Silêncio
Ator coadjuvante: Ricardo Gelli, por 10 Segundos para Vencer
Melhor atriz coadjuvante: Adriana Esteves, por Benzinho
Melhor fotografia: Pablo Baião, por Simonal
Melhor roteiro: Jéssica Candal e Aly Muritiba, por Ferrugem
Melhor ator: Osmar Prado, por 10 Segundos para Vencer
Melhor atriz: Karine Teles, por Benzinho
Menção honrosa: A Cidade dos Piratas
Júri popular: Benzinho
Melhor direção: André Ristun, por A Voz do Silêncio
Melhor curta-metragem brasileiro: Guaxuma
Melhor longa latino: Las Herederas
Melhor longa brasileiro: Ferrugem
*Prêmio do júri da crítica
Melhor curta-metragem brasileiro: Torre
Melhor longa latino: Las Herederas
Melhor longa brasileiro: Benzinho