Jankiel Francisco Cláudio, o Chiquinho Divilas, não cansa de repetir: foi salvo pelo hip hop. Na adolescência, escutando Racionais MC's, descobriu a importância das palavras. Incentivado pela música de Mano Brown, que falava em cultura, livro e educação, voltou a estudar, com objetivo de "envenenar as rimas". Fez o supletivo, e não parou mais – nem de estudar, nem de rimar.
– Eu fiquei hipnotizado pelo rap – conta.
Com um mestrado recém-finalizado em Diversidade Cultura e Inclusão Social, o rapper caxiense começa nesta segunda-feira um novo projeto, o Cultura Hip Hop nas Escolas, que levará a arte da rima a estudantes de sete instituições de ensino da periferia. A primeira, nesta semana, será a Escola Municipal Rosário de São Francisco, no bairro Rosário II.
A cada dia, os alunos participarão de uma atividade diferente, iniciando pela palestra Cultura Hip Hop nas Escolas. Na terça a "aula" será sobre a genealogia do hip hop, desde as suas origens, e na quarta ocorre uma oficina de rimas, em que os próprios estudantes comporão uma música. Na quinta, um dos momentos mais aguardados do projeto: a gravação da peça produzida pela gurizada, num estúdio móvel. A culminância será na sexta, com um pocket show conjunto entre Chiquinho Divilas e os rappers da escola.
– A galera se identifica comigo. Nunca fui um aluno nota 10, estava evadido, na rua, mas quando conheci o rap, percebi o poder das palavras, e isso me salvou – garante Chiquinho.
O músico aposta no empoderamento pelo rap, e defende que ele seja utilizado como instrumento na educação – tema que pautou sua dissertação de mestrado, sobre o hip hop como contribuição para o aprendizado educacional:
– Utilizo a dialogicidade do (educador, pedagogo e filósofo) Paulo Freire, que usava elementos da realidade dos alunos, no caso, o hip hop. No trabalho para o mestrado, por exemplo, usamos o grafite numa aula de história. Isso facilita o aprendizado, por meio da motivação do aluno, da leitura crítica e da transmutação do conhecimento.
Depois da Rosário de São Francisco, a próxima escola a ser visitada será a Paulo Freire, situada nas dependências do Centro de Atendimento Socioeducativo (Case), que recebe a visita do rapper na semana que vem. Na sequência, até agosto, serão contempladas também as escolas Dante Marcucci, Abramo Randon, Cristóvão de Mendonza, Rubem Alves e Basílio Tcacenco.
O projeto Cultura Hip Hop nas Escolas é desenvolvido com apoio da cultural da Marcopolo, por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, e tem parceria do Sesc e do Festival Brasileiro de Música de Rua.
Confira um bate-papo do rapper com o Pioneiro:
As escolas, ou ao menos algumas delas, estão longe da realidade dos estudantes?
Digo que o sistema educacional é arcaico, desproporcional com a realidade de algumas comunidades. Enquanto umas escolas falam em empreendedorismo, robótica, análise financeira, visando o futuro e a educação para o século 21, alguns alunos não se interessam em nada dentro da escola. Isso vai ocasionar evasão, e a evasão leva para a ociosidade dentro de bairros empobrecidos, desassistidos de políticas públicas, facilitando a inserção de muitos jovens para o crime.
Você comentou que, nessas visitas a escolas, também pretende tentar identificar lideranças entre os estudantes, para que levem esse trabalho adiante. Como deve ser isso?
Cada aluno tem seu tempo. Uns pegam a matéria com mais facilidade, outros não. Mas todos gostam de algo. É preciso estar com o sensor ligado para ver o que faz brilhar o "olhar dos jovens". Esse papel é dos pais, responsáveis, mas as aulas, escolas podem contribuir para isso. O rap na escola desperta esse empoderamento. Fez brilhar meus olhos há 20 anos e ainda consegue inspirar muitos jovens. A cultura popular tem esse potencial nas escolas das periferias. É preciso unificar essa parceira para que possamos realmente falar o jargão "TamoJunto" sem medo de ofender a gramática. Sinergia – o nós por nós que sempre falamos. Esse é o tripé: escola-família-comunidade.
Você se considera um exemplo para a gurizada?
Não. Eu acreditei nos meus sonhos. E como disse o poeta baiano, sonho que sonha junto é realidade. Quando preencho ficha em qualquer estabelecimento e tem lá o campo "profissão", eu falo com muito orgulho que sou rapper. Somos do tamanho dos nossos sonhos. Vejo muito jovem sem sonho, sem expectativa de vida. Isso é um crime. Uma cidade, um estado, um país que não se preocupar com os sonhos de uma geração está cometendo uma barbárie. Estamos a caminho do caos. Mas também sei da minha representatividade. Sei que muitos querem ser o Chiquinho. Muitos cantam a minha música, andam do mesmo jeito que eu ando e até falam o que eu falo. O rap fala, né?
Ainda existe um certo preconceito com a cultura hip hop?
Sempre. Velado ou não, sempre tem. O hip hop nasceu no gueto, no lixão, e hoje ele está no mundo inteiro. Ele também é a voz do negro, do pobre, do desempregado, do favelado, do jovem da periferia. Hoje é um orgulho me chamar de maloqueiro. Não me importo mais. Estar ao lado dos nossos moleques, do ancião da quebrada e ter o respeito deles é o maior orgulho. E esse reconhecimento hoje não está só dentro das comunidades. Isso eu chamo de ativista poliglota. Conversar com vários públicos, sem se corromper, faz com que mais gente conheça nossa proposta. Isso é bom. Da universidade à periferia...
Por fim, o que você pensa em termos desse projeto para os próximos anos?
Sequência. Quem sabe um dia teremos uma matéria escolar chamada Cultura Hip Hop. Ministrada pelos próprios ativistas. O rolê que dei na Bahia, Alagoas e Rio de Janeiro pelo Arte da Palavra (projeto do Sesc iniciado em março passado e pelo qual Chiquinho irá a instituições de ensino de 11 cidades país afora) mostrou que estamos na mesma sintonia. Do norte ao sul do país. Hoje me chamam de louco, mas quem sabe um dia isso se torne uma realidade.