Ternurinha vive nas ruas. Anda com várias mudas de roupa ao mesmo tempo, tem fala crua e uma forma de se portar sem nenhuma polidez. Mas nada disso nos afeta, porque Ternurinha, assim como as outras na sua situação, é quase invisível para nós — mesmo para muitos daqueles que defendem os direitos das mulheres. Nesta quinta-feira, porém, ela será vista, e ouvida, na perfo-palestra Nem Uma a Menos, com Ternurinha, que abre a série mensal da Transitória Mostra de Performances.
— "Nem uma a menos" é a frase que eclodiu no movimento feminista da América Latina em 2015, e a performance da Ternurinha é justamente questionando quem é essa mulher que é considerada "uma". Isso é uma crítica que faço a mim mesma. Quando se fala em feminismo, acaba-se fazendo um recorte sempre naquela mulher de uma classe burguesa ou, no máximo, operariada, mas que minimamente tem uma estrutura, uma casa, um trabalho. Mas mulheres como a Ternurinha, que são invisibilizadas, não são consideradas "uma" — diz a atriz Tefa Polidoro, que interpreta a personagem.
Não é de hoje que Tefa veste a pele de Ternurinha. A personagem surgiu ainda em 2009, quando a atriz fazia graduação em Teatro na UFRGS. Por volta de 2014, a partir do contato com moradores de rua, que pareciam estar se multiplicando, foi incrementada, e seguiu seu rumo durante os estudos de teatro feminista, no mestrado na Udesc, e de teatro grotesco, no atual doutorado. Em meados do ano passado, estreou a mescla de performance e palestra, que já circulou por Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre, entre outros locais.
— Na perfo-palestra, abordo o conceito do capitalismo, da invisibilidade, dessas mulheres em situação de rua que são invisibilizadas por um sistema que valoriza quem tem. Faço uma avaliação de como essas mulheres se viram na sociedade — explica Tefa.
Com entrada franca, a programação ocorre no Alouca Café, em Caxias do Sul. Após a apresentação, haverá um bate-papo sobre feminismo com mediação de Natalia Borges Polesso e Daniela Cavalcante. Natalia, que também é uma das organizadoras, conta que essa é uma consolidação da Transitória, mostra de performances que começou ano passado e cujos resultados foram tão bons que agora vai se tornar um ciclo independente.
— Esse é um primeiro encontro, a ideia é que se torne mensal e, depois, evolua para oficinas, até para podermos dar uma contrapartida aos artistas. Queremos movimentar a cena — diz Natalia.
O tema desta primeira edição surgiu naturalmente:
— Estamos no mês de março, em que se tenta conscientizar das nossas lutas — acrescenta.
Lutas que são, também, de todas as Ternurinhas que estão nas nossas ruas.
O termo
O termo "perfo-palestra" surgiu com a atriz, dramaturga e pesquisadora brasileira feminista Luciana Lyra.
Agende-se
:: O quê: perfo-palestra Nem Uma a Menos, com Ternurinha (Tefa Polidoro).
:: Quando: nesta quinta-feira, às 18h30min.
:: Onde: no Alouca Café (Rua Os 18 do Forte, 2.331), em Caxias do Sul.
:: Quanto: entrada franca.
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