Fim de ano, época de balanço. Para a cultura caxiense, 2017 foi, no mínimo, nervoso. Um ano que começou com o anúncio da prefeitura de que não bancaria eventos como Festa da Uva e Carnaval, continuou com a não abertura do Prêmio Anual de Incentivo à Montagem Teatral e passou pela polêmica da performance do bailarino confundida com surto psicótico.
Na reta final, em novembro, o clima esquentou com a divulgação dos contemplados pelo Financiarte, cuja verba foi reduzida em 70% em relação a anos anteriores. Revoltados, artistas e produtores culturais protestaram para pressionar Executivo e Legislativo e a questão foi parar na Justiça. No meio do caminho, a titular da pasta no governo do prefeito Daniel Guerra, Adriana Antunes, pediu para sair. No lugar dela, assumiu Joelmir da Silva Neto, servidor público há 13 anos e há cinco integrante do quadro da Secretaria da Cultura, onde atuava como diretor administrativo desde agosto.
Leia mais:
Liminar suspende efeito de artigo de lei do Financiarte, de Caxias do Sul, que fixa percentual de investimento
Ex-secretários da Cultura de Caxias avaliam a situação atual do Financiarte
Tadiane Tronca evita comentar a polêmica envolvendo verba do Financiarte
Dos 184 inscritos no Financiarte, só 10% receberão verba
Na última sexta-feira, ele recebeu o Pioneiro para avaliar o ano e projetar as ações para 2018. Com um orçamento de R$ 17,5 milhões, sendo R$ 10,5 milhões somente para despesas relacionadas à folha de pagamento, a Secretaria da Cultura de Caxias do Sul conta hoje com 133 colaboradores, sendo 86 funcionários concursados, 41 estagiários e seis cargos em comissão (CCs).
Pioneiro: Como o senhor avalia as ações da Secretaria da Cultura no primeiro ano da administração do prefeito Daniel Guerra?
Joelmir da Silva Neto: Desde o início de 2017, quando assumimos, já sabíamos da condição de déficit em que a prefeitura se encontrava e já recebemos orientação de que o orçamento precisaria reduzido em média de 30%. A primeira ação foi a redução do número de CCs. Tinha 16 no final de 2016, com um gasto de mais de R$ 90 mil mensais fora encargos. Reduzimos para seis, sem a verba de representação, o que não chega a R$ 30 mil. Antes tinha mais de R$ 1,2 milhão de gastos (por ano) com CCs só na Secretaria da Cultura. Tivemos alguns ajustes também no quadro de pessoal, com alguns professores que retornaram às secretarias de origem. No mais, quando a gente começou o trabalho, a gente chegou com a situação do Carnaval, porque já havia uma promessa de campanha de que não teria apoio à festa, que os eventos teriam que ser autossustentáveis, foi o primeiro embate com a comunidade. Fora isso, a gente veio trabalhando em ações internas, ações promovidas pela secretaria, como os eventos de Caxias em Cena, Feira do Livro. A gente fortaleceu e adequou para que continuasse o serviço, como museus, biblioteca (pública), galeria (Gerd Bornheim), Arquivo Histórico. A gente teve o retorno da Feira do Livro para a praça (Dante Alighieri). A feira como um todo foi bem aceita pela comunidade, tanto os livreiros quanto à comunidade em geral. Tivemos também Caxias em Cena, o Caxias em Movimento, que foram eventos muito mais enxutos. Cumpriram o seu papel, mas naturalmente foram reduzidos. Quando eu assumi, não era novidade para mim a situação do Financiarte, que obviamente deu toda essa revolta da classe, que é compreensível porque se cria uma expectativa. Esse foi o maior desafio que tive enquanto secretário.
Não havia outra forma de informar a respeito da redução da verba para o Financiarte?
A gente tinha uma ideia da situação da inconstitucionalidade do artigo, porém desde que saiu o edital a gente começou a pensar em alterações. O que poderia ter sido feito e que pretendemos implantar é a divulgação do valor no momento do lançamento do edital. Fica mais transparente. A gente entende que, se uma lei é inconstitucional, não pode deixar desta forma. E a gente vai aproveitar essa alteração para tentar fazer melhorias. Uma questão que a gente tem ouvido, e isso não é de hoje, o setor de fomento ouve muito, é que acabam sendo sempre os mesmos (contemplados).
Foi feito algum levantamento em que se chegou à conclusão de que são sempre os mesmos?
O setor de fomento, e seguido muitas pessoas vêm pra mim mesmo, muitos artistas falam que tem que aproveitar e mudar isso. A Casf está aí para avaliar mérito, para avaliar projeto. Óbvio que, quanto mais experiência em projetos a pessoa tiver, melhor nota terá. Então a gente tem que pensar em uma forma de não prejudicar esses que estão aí dando sequência ao seu trabalho, mas também de não deixar a atender quem está iniciando, quem realmente quer uma oportunidade de mostrar o seu trabalho. Isso é o segundo ponto principal que a gente está trabalhando. De especificar um intervalo de tempo (para participar novamente do edital) ou um percentual que tem que ser para iniciantes.
O prefeito já afirmou, em pelo menos duas ocasiões, que este ano foram investidos "mais de R$ 15 milhões na cultura, em vários programas e projetos fantásticos". O relatório fornecido ao Pioneiro pela Secretaria aponta, até esta sexta-feira, o empenho de R$ 13.574.521,71 e a sobra de R$ 1.828.215,53. Esses valores incluem também a folha de pagamento. O senhor poderia comentar esses números?
Se tu somares o valor empenhado com o disponível, vai dar um valor bem próximo aos R$ 15 milhões. Quando tu falas na Secretaria da Cultura com todas as suas ações, estás falando em todo o administrativo, que trabalha em prol de ações, museus, biblioteca, Centro de Cultura Ordovás com toda as unidades - de música, de dança, de cinema, de teatro, de artes visuais, de arte e cultura popular -, Arquivo Histórico, Casa da Cultura. Então todas são formas de fomentar. Quando você tem uma pessoa do museu que atende uma escola, aquela pessoa é um investimento porque ela está passando a cultura, ainda que seja folha de pagamento. Quando você tem no teatro municipal, onde você vai receber um espetáculo de terceiro, como é a grande maioria, um quadro de pessoal disponível até 22h, 23h, meia-noite, é um investimento. Além de todos os outros projetos que temos, como a Feira (do Livro), que são mais palpáveis. Mas não podemos deixar de destacar que todo esse envolvimento dos servidores nas ações, sejam diretas ou indiretas, também é fomento e também é investimento, porque a gente está lá auxiliando a cultura acontecer.
Quais foram os principais projetos da secretaria este ano?
A gente conseguiu, diante de uma dificuldade muito grande orçamentária, cumprir com o papel básico, que é manter esses espaços abertos. Conseguimos também manter os programas como o próprio Caxias em Cena, o Caxias em Movimento e o Financiarte com valores menores. A Orquestra (de Sopros) teve redução de ensaios, o Coral (Municipal) começou um pouco mais tarde, a Cia. de Dança. Foi um ano de se reinventar, de recriar, porque com dinheiro é fácil, mas sem dinheiro você precisa descobrir talentos.
A prefeitura está conseguindo cumprir a promessa de levar projetos para os bairros afastados do Centro?
Havia um projeto Cultura na Comunidade que é oficinas de iniciação artística, que este ano atingiu 878 alunos, só que ele começou em setembro, devido à burocracia. A gente está ampliando o valor, que era de R$ 86 mil, não só para este projeto, mas para Escola Preparatória de Dança e o GentEncena, que desde 2015, se não estou equivocado, não teve mais. A gente está amarrando em edital que ele ocorra nas cinco regiões. Por exemplo, dentro do Cultura na Comunidade, a gente está pedindo oito oficinas distintas por região. Então a gente vai ter 40 oficinas, mais duas de artes cênicas, que é teatro e circo. Além da Escola Preparatória de Dança, que é no Ordovás, mas que vai estar contemplada no mesmo edital. Isso visando às oficinas. Quanto às ações a gente já está discutindo com as unidades formas de viabilizar ações, por exemplo, do Coral, da Orquestra Municipal, da Cia. de Dança, de levar esses grupos também para as comunidades. E, obviamente, a gente pretende trabalhar muito em parceria com as escolas.
A prefeitura vai destinar algum recurso para o Carnaval de Rua?
Não houve nenhum tipo de conversa no sentido de repassar. Desde agosto a gente tem recebido representantes de algumas escolas (de samba). A gente sempre esteve muito aberto para discutir de que forma poderia estar contribuindo com o Carnaval, dentro de uma diretriz de que os eventos seriam autossustentáveis. Provavelmente, no início do ano, a gente vai ter uma diretriz de como vai ser com esses eventos. Já temos projeto para 2018 de formar, auxiliar as pessoas do Carnaval a construir o Carnaval. Lógico que olhando já 2019, coisa que a gente não conseguiu fazer esse ano. Até mesmo preparando eles para se inscreverem em projetos (de incentivo).
Qual a sua autonomia na tomada de decisões da Secretaria da Cultura?
A gente sempre trabalhou muito aberto entre o secretariado, desde quando eu era diretor. A própria Secretaria de Gestão, quando a gente ia levar um assunto de um recurso um pouco maior. É marcar, conversar, explicar, e, normalmente, levar o (retorno) positivo. Como a gente já tem essa determinação, essa certeza de uma dificuldade econômica, a gente já vai para uma realidade realizável. Dificilmente chega lá com um sonho. A gente já chega com uma coisa mais palpável. Com o prefeito a gente também faz conversas periódicas para tratar diretrizes. A autonomia, dentro dessa lei orçamentária que está aprovada, em 2017 a gente tinha a necessidade de redução (de despesas). Temos o encaminhamento que em 2018 a gente vai poder trabalhar com R$ 17,5 milhões. Para pequenas despesas, pequenas ações, pequenos eventos, eu tenho total autonomia para fazer, assim como as grandes. Só que, por precaução, por segurança, óbvio que grandes eventos, eu preciso e devo ir conversar com Secretaria de Gestão, com o próprio prefeito, pra que a gente faça as coisas dentro da responsabilidade para evitar de não ter dinheiro para pagar o fornecedor, o artista.
Como é trabalhar em uma secretaria que não é prioritária?
Todo governo tem sua prioridade. A gente sabe do que a população mais precisa, mas também sabemos, e o prefeito reconhece isso, da transversalidade da cultura, que é proporcionar, não só como lazer, mas como formação, trazendo entretenimento para as pessoas. Ela contribui muito para que as pessoas tenham saúde, educação e a segurança, porque a gente sabe que uma pessoa que tem cultura, que tem instrução, o caminho fica mais amplo para o bem do que para ir para o caminho errado. Se tivéssemos dinheiro, a gente faria tudo. Quem é que gosta de estar à frente levando toda hora a crítica? Não é fácil passar por essas turbulências, mas é necessário.
Como foi o sentimento quando o senhor foi informado de que a verba esperada para o Financiarte iria para a compra de remédios?
A gente sempre fala que "iria", mas o dinheiro é único. No dinheiro não está marcado para onde ele vai.
Mas a lei dizia que 1% deveria ser para o Financiarte.
Se tivesse entrado no caixa com aquela sobra poderia ter sido direcionado. Como eu disse, óbvio que para a área cultural é um prejuízo. Se tivéssemos dinheiro por que estar passando por isso? O Financiarte está sendo mantido. Inclusive por ser um artigo que torna ele inconstitucional, teoricamente, poderia ser zero (o valor repassado).
O senhor pretende chamar os artistas e produtores culturais em algum momento para conversar?
A gente está aberto. A gente entende os protestos porque é de direito. Com o Conselho de Cultura a gente já teve algumas conversas. A ideia é que a classe também nos procure porque a gente chamar os artistas, só se a gente fizer uma abertura geral para não pegar e selecionar um artista X ou um artista Y. A gente quer demonstrar que a gente está aberto para que eles também venham nos ajudar, para que eles também venham trazer suas demandas, suas ideias e que a gente possa construir juntos.
Que nota o senhor dá para a Cultura em Caxias do Sul atualmente?
A cultura em Caxias é muito mais ampla do que a secretaria atinge. A gente tem diversos produtores, artistas, muitos, inclusive, de forma voluntária, levam ações e cultura para lugares que a gente nem imagina. Em Caxias a classe artística é muito responsável. Considerando tudo isso e um ano de dificuldade econômica, eu daria, tranquilamente, uma nota de 8 a 8,5. Só não daria mais porque não foi por falta de qualidade nos serviços, mas porque a gente não conseguiu atingir o que a gente esperava. Atingimos o que esperávamos dentro da condição, mas não o que a gente gostaria de alcançar.
Quais serão as três prioridades para 2018?
Em primeiro lugar, a manutenção de tudo o que está funcionando. Em segundo, o aprimoramento da lei do Financiarte. E por fim, aprimorar as ações feitas pela secretaria, fazer uma Feira melhor, um Caxias em Movimento melhor... E como uma quarta meta, é que em 2019, a esperança é, com um orçamento melhor, ter novidades na secretaria, com novos grupos, aquisições, para que consiga fazer a diferença positivamente.