A cena mais impactante de Uma Mulher Fantástica mostra a personagem principal, Marina, sem roupas em cima de uma cama. A câmera do diretor Sebastián Lelio se movimenta para enquadrar um nu frontal, mas a protagonista exibe um pequeno espelho redondo entre as pernas. Ali, vemos o seu enigmático rosto refletido. A composição carrega a mão na semiótica para passar um delicado recado sobre identidade de gênero, já que Marina é uma mulher trans. Estreia de hoje na Sala de Cinema Ulysses Geremia, o longa venceu o prêmio de melhor roteiro no Festival de Berlim e é o representante chileno no Oscar 2018. A história acompanha o drama de Marina (vivida pela atriz trans Daniela Vega, em ótima performance) quando ela perde o namorado Orlando (Francisco Reyes), um homem mais velho e bem-sucedido. O roteiro parte de uma apresentação super comum do casal: é aniversário de Marina e eles saem para comemorar com jantar e festa. Depois de uma noite cheia de momentos especiais, Orlando passa mal em casa e acaba morrendo. É justamente a forma como o longa conduz as situações que surgem a partir desse ponto que o torna tão forte, atual e denso.
A ex-mulher e o filho de Orlando não aceitam a relação dele com Marina e transformam a jovem trans num alvo depois da morte do empresário. As agressões dos dois vão aumentando aos poucos, até culminarem em momentos de muita crueldade e humilhação. Além dos familiares do namorado, Marina precisa enfrentar a desconfiança da polícia, que investiga se o fato de Orlando se relacionar com uma mulher "fora dos padrões" poderia ter alguma ligação com sua morte. Para o espectador, no entanto, o único enigma a ser desvendado é a falta de humanidade que salta aos olhos a cada sequência.
Contrariando o título, a protagonista é uma mulher comum que divide o tempo entre o trabalho como garçonete de uma lancheria e o sonho de ser cantora (é na arte que ela se liberta). É vocalista de uma banda, gosta de se vestir bem e adora a companhia da cachorra que ganhou do namorado. O que faz de Marina uma mulher fantástica, então? Justamente o fato de ela ter que enfrentar o mundo simplesmente para ser quem é. Isso inclui lidar com violências tão profundas quanto ser chamada de quimera (monstro, incoerência, produto da imaginação). O filme de Sebastián Lelio é justamente uma resposta a essa provocação, mostrando Marina como uma mulher real, mas refém de um mundo que ainda a trata como objeto de estranhamento.
Assim, o espelho daquela cena descrita lá no início desse texto reflete também o olhar da própria sociedade (e do espectador?) que ainda deixa um detalhe físico ditar quem as pessoas são.
Leia mais
5º CineSerra começa nesta terça, com exibições gratuitas em sete cidades
Espetáculo "O Fantasma da Ópera" é apresentado neste domingo, em Caxias
Espetáculo "As Aventuras do Pequeno Príncipe" ocorre neste domingo, em Farroupilha
Programe-se
O que: drama chileno Uma Mulher Fantástica.
Onde: Sala de Cinema Ulysses Geremia (Luiz Antunes, 312).
Quando: sessões de hoje a domingo e nos dias 28 e 29, sempre às 19h30min.
Quanto: R$ 10 e R$ 5 (estudantes idosos).
Duração: 104min.
Classificação: 14 anos