Com um currículo que soma mais de 70 novelas, séries e minisséries, 16 filmes e 12 peças de teatro, Tony Ramos ainda vibra a cada novo trabalho. Aos 68 anos, fala com entusiasmo da carreira construída a partir de 1964, quando estreou na televisão em esquetes na extinta TV Tupi. Um dos mais talentosos nomes da dramaturgia brasileira, evita o rótulo de "veterano", apesar da experiência que o consagrou em trabalhos marcantes como Téo de A Viagem (1975), Márcio Ayala de O Astro (1977), Cristiano Vilhena de Selva de Pedra (1986), Edu Figueroa de Rainha da Sucata (1990), Níkos Petrákis de Belíssima (2005), Antenor Cavalcanti de Paraíso Tropical (2007) e o Totó de Passione (2010), para citar apenas alguns. No cinema, orgulha-se ao lembrar de Getúlio, longa que protagonizou em 2014.
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No fim de setembro, poderá ser visto em Tempo de Amar, novela escrita por Alcides Nogueira. Na trama, dirigida por Jayme Monjardim, Tony será José Augusto, influente produtor português de vinho e azeite e pai da protagonista Maria Vitória, interpretada pela gaúcha Vitória Strada, estreante em novelas. Nas duas últimas semanas de julho, o ator esteve em Bento Gonçalves e Garibaldi para gravar as primeiras cenas do folhetim. Na manhã gelada de 20 de julho, vestindo blusão de lã e calças por dentro das botas, semelhante à tradicional bombacha do gaúcho, Tony conversou com a imprensa num dos intervalos de gravação na Casa da Erva-Mate Ferrari:
– É um frio bom. Melhor que a canícula tropical! Sabe o que que é uma canícula tropical a 40 graus, na cidade cenográfica, com essas roupas?
Pioneiro: Como tem sido essa temporada na Serra?
Tony: A melhor possível. Nosso diretor artístico, o Jayme (Monjardim), já tinha vindo outras vezes para decidir as locações que nos permitissem ter o início do século 20 como queríamos. O fato de estar ali sozinho olhando minha filha sobre um túmulo (na cena acompanhada pela reportagem, Maria Vitória reza em frente ao túmulo da mãe) tem um peso muito grande porque eu já sei da história toda. Isso é muito bonito. É uma coisa interessante sobre o comportamento, sobre a ganância humana, sobre os mistérios que encerram sobre o ser humano, os mistérios que cada um pode guardar ou não guardar na vida. Tudo isso para te falar que o Sul foi determinante na composição desse início todo.
O teu personagem é controlador?
Como seria um homem daquela época. Você pode imaginar em 1928, no interior de Portugal, uma filha dizer que está grávida de alguém que ele jamais pensaria como genro. Um rico homem de frutas, é um grande produtor, vinicultor, um azeiteiro, da nobreza rural portuguesa. Ele descende diretamente do rei Dom Manuel. Esse rico homem de negócios é surpreendido com essa notícia da filha e a obriga, para manter a honra da família, a se esconder num convento numa época em que em Portugal as freiras eram muito perseguidas. Vocês podem imaginar quantos conflitos se originam daí. Ele é um homem que diz para a filha: "te criei muito mal, fui muito liberal com você e fiz de você essa mulher destemida", porque a mãe morre muito cedo. Aí ele começa a se culpar. Há muito mistério que envolve esse homem, essa filha, a propriedade, o grande amor que ela tem por esse rapaz muito simples, que é um lançamento nosso, o ator Bruno Cabrerizo, que é de uma presença cênica muito boa, já fez novelas em Portugal, viveu na Itália muitos anos. O público brasileiro vai tomar contato com um jovem talento e vai ser muito bom. Esse homem, se você quer chamar de controlador, pode ser. Mas era normal ser controlador àquela altura. Uma filha prestava contas ao pai de forma absoluta.
Também tem a Vitória, outra atriz que está começando. Como é isso enquanto veterano?
É estimulante. É absolutamente fascinante. Não se esqueçam: eu também comecei muito jovem. Tive muito apoio de muitos, hoje meus amigos, muitos veteranos da época. Muito apoio de uma Laura Cardoso, de um Lima Duarte, de um Juca de Oliveira, de Aracy Balabanian, que não é tão mais velha que eu. Acho muito importante todo mundo começar. Haverá sempre espaço para todos. Para você contar uma história, tu precisas da criança ao vovô bem ancião. Então eu sempre acho que os jovens atores e atrizes são sempre bem-vindos.
Você dá dicas?
Eu não tenho essa pretensão de dar dicas, mas quando eles perguntam alguma coisa, alguma dificuldade técnica, estou pronto a responder. Dar dica quem dá é diretor. Mas eles têm dúvidas, são detalhes técnicos, "olho pra cá?", "olhei demais? não olhei?". Eu digo: "faça o que o diretor disse." O jovem é bem-vindo. Tem de existir essa renovação. Isso é fantástico. Isso é estimulante.
Como foi a sua preparação para esse papel?
A preparação foi em cima de História. A nossa divisão de pesquisa já nos forneceu pesquisas maravilhosas. Você não faz ideia de como essa empresa trabalha. Você está vendo isso aqui (aponta para a equipe de aproximadamente 70 pessoas no set, entre técnicos, diretores, figurinistas, maquiadores e pessoal de apoio)? Tem duas vezes mais no Rio trabalhando na cidade cenográfica, nos estúdios. Uma novela como essa mobiliza diariamente cerca de 520 profissionais. Você vai encontrando nessa turma de pesquisa as informações que precisa daquela época, do início dos anos 20 do século 20. A preparação é constante. Não se termina essa pesquisa até o último dia de gravação.
O que atrai o público a assistir novela?
A melhor resposta é que tu tens, com todas as ofertas multiplataformas de hoje, uma novela como A Força do Querer dando média 40 em São Paulo. Novela é um fenômeno cultural brasileiro, sem dúvida. Já foi escrito isso até pelo jornal La Reppublica, na Itália, quando nós fizemos Passione (2010), que dava 55 de audiência. As pessoas vão lá ver suas TVs a cabo, vão assistir as opções de HBO, Netflix... A GloboPlay tem 10 milhões de assinantes. Por que Malhação tem 35 milhões de espectadores todos os dias? A identificação está no conflito. Uma boa história sempre dará grande repercussão. Se você pegar Breaking Bad, que é uma excelente série, é novela. Todo mundo queria saber se aquele professor de química ia dar certo na vida, se ele ia conseguir um milhão de dólares, se ia parar ali, se ia morrer, se ia deixar o dinheiro para o filho doente. Era essa a história, mas aí ele se encanta com o poder, a ganância sobe, ele vira um big de um traficante. Isso é teledramaturgia.
Como ficou a questão do sotaque português?
Aqui escolheu-se não ter o sotaque absoluto. Escolheu-se ter o português na segunda pessoa. Quando tu dizes, em português correto, o português-mãe, "Tu sabes de que estou falando?" ou "Tu sabes do que eu estou a dizer?" e não "Cê entendeu o que eu tô falando?", acabou. Não é o cidadão corriqueiro, cotidiano, da rua, a dizer. É só obedecer a língua portuguesa, que, aliás, é linda. Nossa língua portuguesa é muito mais bonita do que qualquer língua saxã. É uma língua que, bem dita, bem falada, é linda. Nós é que ficamos dizendo selfie e não "autorretrato". Pense nisso.
Nos últimos anos, você está emendando um trabalho no outro...
Terminei A Regra do Jogo em março do ano passado e em abril eu estava começando os trabalhos de Vade Retro e fui até dezembro. E filmes também.
Tu vais tirar uma folga?
Quando terminar essa novela, vou fazer um filme com o (cineasta) Luiz Villaça.
Então não tem break?
O break é uma coisa que acontecerá naturalmente Não sou um workaholic. Não se iludam. Sou movido a bons projetos. Quando me convidaram para (o filme sobre o ex-presidente) Getúlio Vargas (2014), como é que eu iria dizer não? Levamos seis meses de ensaio, roupas especiais, veio a mulher de Los Angeles que faz aquelas roupas especiais para o (ator) Eddie Murphy, aí tinha todo um trabalho de corpo, de história. Como é que eu vou dizer não? E foi lindo pra mim, o filme viajou o mundo inteiro. Assim como peças de teatro. Teatro já tem um tempo que não faço, mas não porque eu não goste. É que peças que eu faço ficam três anos, quatro anos em cartaz, e aí eu quero ser movido no teatro por algo. A minha última foi com o Dan Stulbach, Novas Diretrizes em Tempos de Paz. Eu quero ser movido por peças que me instiguem de alguma forma a me levar ao teatro todas as noites. Porque a telenovela te instiga cotidianamente. Eu estou aqui, na segunda-feira estou lá na cidade cenográfica (no Projac, Rio de Janeiro), retorno pra cá na outra sexta, retorno para o Rio, faço de novo cidade cenográfica e aí vou começar os estúdios. Isso é instigante, é alimentador, estimulante. Eu prometo a mim mesmo: "eu termino o filme e vou ficar quieto”. Pode ser que eu consiga 15 dias. Mas ficar de férias dois meses não é a minha praia, sabe? “Ah, vou ficar de papo pro ar". Eu não fico de papo pro ar. Eu leio muito e, ao ler, estou vendo projetos. Recebo roteiros, convites de peças teatrais, temos um grupo de leitura que tem Antonio Fagundes, alguns colegas, que leem textos e, às vezes, a gente descobre um texto. Fagundes e eu temos vontade de voltar ao teatro juntos. Há muitos anos que não fazemos uma peça juntos. Talvez com o final do filme eu consiga umas duas, três semanas e vou pro Nordeste, pra uma praia, ou vou bater perna em outro lugar, mas acho uma bênção. Tem gente que não acredita em nada, eu respeito. Como não sou ateu, acho que é uma bênção de um ser maior que me permite estar trabalhando com saúde, ter convites, na idade que tenho. É uma bênção, vou seguindo no meu rumo, atendendo aos convites que me encantam. O ano sabático eu tentei, durou quatro meses. Como não tenho rede social, não tenho Facebook, não tenho nada disso, me dedico muito a leituras. São dois livros por mês que eu leio. Tem muita coisa para fazer, encontrar os amigos. Eu amo muito meus amigos em casa, jantares altas horas da noite, batendo papo, literatura, enfim. Deixa rolar.
Você gosta de se ver?
Quando está no ar, sim. Aqui você viu que o diretor nem me chama. Assisto aos meus colegas. Adoro ver A Força do Querer, o trabalho dos companheiros. Novo Mundo, a novela que vamos substituir, é muito bem produzida, linda. Acompanho, dou uma olhada, vou ao cinema, ao teatro. Sou um cidadão normal que paga suas contas e seus impostos.