Ele é um dos nomes fortes do futurismo no Brasil. Ajudou a fundar a reconhecida escola de criatividade Perestroika, atualmente é o único professor sul-americano da Singularity University (desenvolvida pela Nasa e Google, com objetivo de formar lideranças do futuro), e ainda manja de assuntos cabeça como nanotecnologia e inteligência artificial, etc. Mas para simplificar todas as atribuições do porto-alegrense Tiago Mattos, 37 anos, dá para dizer que ele é um estudioso do mundo que nos aguarda logo ali na frente, e quer contribuir para que a transição até lá seja o menos traumática possível. Esse foi um dos objetivos dele no livro Vai lá e faz: como empreender na era digital e tirar ideias do papel, lançado na última semana. O foco mais específico do autor diz respeito às relações de trabalho.
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– Quero convidar os empreendedores experientes a enxergarem suas empresas como incubadora de novos empreendedores. A empresa está incompleta se isso não acontecer – sentencia Mattos, defensor de uma mudança na lógica industrial empregada na maior parte das empresas hoje.
Leia a entrevista completa:
Pioneiro: Como surgiu teu interesse pelo futurismo?
Tiago Mattos: Desde sempre o futuro me encantou. Eu acabei, em 2007, ajudando a co-fundar a Perestroika. Ela é uma escola de atividades criativas, hoje é a maior da categoria na América Latina, tinha uma proposta em ter um olhar do presente para frente. Começamos com projetos de novos olhares em comunicação, depois em outras áreas como moda, empreendedorismo, arquitetura, enfim. Naquele momento eu já estava super apaixonado por esse olhar para frente, ainda através de uma escola que começou como uma banda de garagem. Por causa da visibilidade com a Perestroika, eu fui convidado para palestrar na abertura do primeiro TEDX do Rio Grande do Sul, o terceiro do Brasil, foi em 2011. Aí, me disseram que tinha um indiano que era futurista e que tinha estudado na escola da Nasa e do Google que ia falar depois de mim. Eu fiquei super intimidado porque pensei “se ele falar antes, posso pelo menos pegar as ideias dele e adequar às minhas, mas se ele falar depois é capaz de ele desdizer tudo que eu falei e fico sem moral nenhuma” (risos). Eu estava super intimidado por esse cara, mas nossas palestras conversaram muito bem. Acabamos amigos, viramos parceiros, ele virou professor da Perestroika, viramos sócios de uma aceleradora de negócios. O nome dele é Dhaval Chadha. Com o tempo, a gente convivendo muito, descobri mais sobre a Singularity e perguntei se ele achava que eu tinha condições de entrar na seleção. Eu entrei em 2012. Até então eu tinha uma noção um pouco mais ingênua desse mundo todo, eu estava começando a descobrir onde eu estava me metendo. O interesse da Singularity é botar um grupo multidisciplinar numa sala e ensinar o que entendem como mais avançado em tecnologias exponenciais, compartilhar a visão deles sobre os grandes desafios globais: fome, miséria, pobreza, enfim, as dores do mundo. E convidar essa galera a criar soluções que impactem um bilhão de pessoas em até 10 anos. A gente sai de lá com uma certa responsabilidade. Então, tive contato mais a fundo com o futurismo a partir daí. Me dei conta que essa era uma visão de futuro, mas não era a única. Que existiam outras escolas que poderiam ajudar a refinar essa nova paixão. Eu me apaixonei principalmente pelo futuro do trabalho e passei a visitar várias escolas do mundo, nem sei mais quantas (risos). Juntei o que achei de melhor nelas e comecei a formatar o olhar. Fundei a Aerolito, um laboratório de observações e explorações sobre o futuro. E foi assim que o futurismo entrou na minha vida. Despertou quando conheci Dhaval, se consolidou na Singularity, mas amadureceu, foi refinado multidisciplinarmente. Mas, principalmente, isso entrou na minha vida quando as pessoas passaram a me chamar de futurista. Quando comecei a ser validado por órgãos e instituições que respeito, daí assumi minha distinção de futurista.
Você defende que o formato patrão/empregado será extinto no futuro. Como será?
Os organismos de trabalho estão saindo de uma lógica piramidal, e indo para grupos de trabalho que a gente chama de lideranças circunstanciais e rotativas. Imagina um grupo de 10 pessoas, onde para cada tarefa uma pessoa assume a liderança, e os demais ficam como liderados. Na segunda tarefa, outra pessoa assume a liderança e assim por diante. Nessa ideia, seremos muito mais liderando do que líder, só que a gente invariavelmente vai ser líder. O que acontece é que quem é líder hoje quer ser líder sempre, e quem é liderado hoje muitas vezes tem medo de liderar. Imagina que todo mundo seja super capacitado, em grupos e projetos que vão mudando. É como se a gente estivesse se conectando a vários grupos de trabalho, assumindo vários papéis. Isso faz com que tenhamos várias habilidades diferentes. O pensamento industrial nos disse “faça uma coisa só”. Mas por que eu não posso ser sushi man de manhã, motorista de tarde e professor de noite? Quando eu falo isso, me dizem que as pessoas farão tudo mal feito. Isso é uma grande falácia. Existe uma pesquisa científica que mostra que depois de 10 mil horas se debruçando sobre uma atividade, a gente passa a dominá-la. Fui calcular que, trabalhando oito horas por dias, em cinco anos você se torna especialista. Imagina que bacana, a cada cinco anos a gente desenvolver uma nova habilidade. Se a gente imaginar que a tecnologia vai nos ensinar cada vez mais rápido talvez cinco anos seja uma eternidade. E óbvio que a lei de oferta e mercado vai continuar existindo, mas é importante dizer que, nesses grupos, todo mundo é sócio do projeto, todo mundo é dono do trabalho. Todo mundo vai ser freelancer, empreendedor e autônomo, todo mundo se conectando com tudo.
Quais são os maiores desafios daqui ao futuro?
A primeira coisa que gosto de compartilhar é que o futuro não é um lugar onde vamos chegar, é um lugar que a gente constrói Quem diz isso é a Anne Lise Kjaer, e eu adoro essa perspectiva. Então, me preocupa se a gente não construir um bom futuro. Me preocupa também uma perspectiva muito pessimista sobre o futuro. Mas, sendo mais prático, o que mais preocupa são duas coisas. Primeiro, alguns futuristas dizem que em 2029, 2030 a gente vai ver a ascensão de três novas revoluções, como se fossem três internetes, que seriam: genética, nanotecnologia e robótica/inteligência artificial. Acho que a maioria da sociedade está ainda muito linear e industrial, então cada vez será mais difícil pular esse canyon. Me preocupa que a gente tenha tantas lideranças desconectadas desse contexto digital. A segunda preocupação que tenho é sobre o medo da tecnologia. Tem uma definição de tecnologia que gosto muito que vem do Douglas Adams, que diz o seguinte: “se tecnologia é algo que foi criado antes de você nascer, não será percebido como tecnologia”. Tem uma história legal que envolve a filha do meu sócio. Ela perguntou a ele: “pai, o que veio antes, o Ipad ou o vaso sanitário?”. Para ela, o mundo sem Ipad não existe, acho essa metáfora forte. Tem outra ideia, de que se algo é inventado entre nossos 15 e 35 anos, é revolucionário; mas se é algo criado depois dos 35 anos, a gente começa a ficar conservador com as novas tecnologias. É tipo um radar de tiozão, quando a gente começa a olhar para as tecnologias com muito medo, achando que elas vão destruir as novas gerações, é sinal de que estamos perdendo conexão com o que é, de fato, novo. Vejo o Rio Grande do Sul como um Estado muito resistente às tecnologias. Me considero um soldado nessa causa, alguém que quer ajudar as empresas a entender que se a gente não aproveitar o cavalo encilhado agora, vai ser muito mais difícil de montar ali na frente.
:: Livro Vai lá e faz: como empreender na era digital e tirar ideias do papel é um lançamento da Belas Letras, tem 320 páginas e custa em média R$ 49,90.