Nas areias vazias, o deserto molhado da orla e os últimos rastros esmaecidos do povaréu que debandou. Sobras de pegadas dos remanescentes nostálgicos protelando a despedida praiana. Essas ali, por exemplo, indiscutivelmente, pelo feitio das pisadas macias e o formato arredondado dos pés de delgados dedos pertenceram a uma jovial e, provavelmente, bonita fêmea.
Em contraste, calcanhares fortes e pesados afundaram o chão arenoso, imitando o socar de patas equinas. Só podem ter sido dos dois vigorosos surfistas que tentam, agora, seduzir as ondas a fim de deslizarem lavados e levados pelas espumas. Torço para que sejam bem sucedidos em suas façanhas náuticas, mas receio que se frustrarão. Pacientemente, espreitam ondulações de bom tamanho, suficientemente massudas para ligarem o “motor” de suas pranchas.
Hoje, porém, as águas se descortinam mansas, a rebentação é de uma suave calmaria, transformando o mar numa lagoa maior e preguiçosa, mas sem ressaca. Uma inesperada transparência permite perscrutar a singular coreografia aquática dos seus habitantes, como o agitado cardume de peixinhos debutantes. É uma radiosa manhã para se louvar as matizes cintilantes que desbordam os azuis da água em leques de topázio e lascas de esmeraldas.
Isso parece fazer bem ao sessentão gorducho que corre bufando, sacudindo as banhas e destilando os suores do esforço inaudito e infrutífero. À tardinha, obrigo-me a voltar para o ritual de adeus. Os cheiros marítimos me agradam e reconfortam. Vislumbro quatro solitárias criaturas entretidas em seus afazeres. O pescador de tão compenetrado com seus apetrechos, sequer reparou a minha insólita passagem. Ladeando-o, uma persistente gaivota executa passinhos miúdos e calculados, sincrônicos com o dançar do pescocinho. Ela mergulha rasante, içando as presas em seu delicado bico, orgulhosa e cheia de si.
A cena se completa com o pousar de uma frívola borboleta amarela sobre o dorso do vira-latas, torneando em círculos a latir sua felicidade. Ao largo da costa, bordejando a linha do horizonte um barco-pesqueiro singra com luz tênue e trêmula na lanterna da proa como um farolete de dúbias esperanças.
Percebo o alentecer do frescor vespertino e a intromissão da bruma incitando que a noite se faça noite. Do incerto e crescente luar escorrem cascatas prateadas e as primeiras estrelam fagulham suas confidências e mensagens. Definitivamente, queridas Corina e Maria, velejadoras indômitas e celestiais, caiu o outono sobre o mar.