Nem bem duas décadas haviam se passado desde o final da Segunda Grande Guerra Mundial. Pouco tempo para a destroçada Alemanha se revigorar, reconstruindo-se a si própria: feridas ainda se cicatrizando e ultimando sua reparação estética. Uma grande força-tarefa executava um diligente redesenho plástico. O esforço do povo alemão, a sua determinação tenaz, a energia e a crença na capacidade intrínseca, tinham recuperado quase tudo. Podia-se, porém, divisar aqui e ali, resquícios de escombros e abandono. Prédios em restaurações. O imponente Ministério da Guerra, na outrora orgulhosa Munique nazista, onde Hitler decolou sua loucura, encontrava-se em completa ruína. Não diferente da igreja principal de Berlim – a Kaiser-Wilhelm – com as torres decepadas, e que ainda conservam os rasgos da cruel amputação, como símbolo sinistro.
Leia também
Francisco Michielin: novo ano de novo
Ciro Fabres: momento deprimente
Natalia Borges Polesso: enquanto 2016 acabava
Foi, dessa maneira, num panorama de ampla assepsia e cirurgia, faltando pouco para a sua total reafirmação, que eu iniciei em intimidades com o povo e o território germânico – revisitado por mim várias vezes, tamanha é a admiração que nutro por essa brava e resoluta gente. Mas, na minha primeira estada eu e meus bons companheiros desfrutávamos dos motores da juventude. E, de propósito, planejamos para que o réveillon, testemunhando a troca de guarda entre 1967 e 1968 – aquela história de "rei morto, rei posto" – ocorresse na esfuziante Capital da Bavária, repleta de alegrias, continuamente contemplada por chuviscos e flocos de neve ou mesmo açoitada por abruptos acessos de nevascas. Não podia haver um cenário tão sugestivo. Perfeito cartão postal.
Passamos a noite da véspera num restaurante enorme próximo do futuro local do Centro Olímpico de 1972 – aquele do massacre dos atletas israelitas pelo grupo terrorista "Setembro Negro". No recinto, reinava um ambiente de intensa e ruidosa animação. Lembro que nos confraternizamos com as famílias presentes e nos deliciamos com magnífica culinária. Depois, festejamos o Novo Ano e dançamos com algumas alemãzinhas faceiras e bonitinhas. Atrevidamente, tentamos convidá-las para continuar o festerê na histórica "Hoffbraus" – a cervejaria por excelência e tradição. Praticamente, um templo. E elas, ou porque não agradamos e nem fomos convincentes, optaram por nos acompanhar.
Azar o delas e sorte nossa! Na orgia colossal em que a famosa cervejaria de Munique havia se convertido, comemorando a entrada de 1968, improvisara-se o mais autêntico carnaval à moda bávara. Como por encanto, "esperavam por nós" prendadas universitárias suecas. Lindas pra caramba. Com um pouco de charme e muito de lábia, facilitamos a aproximação. E, por consequência, as paqueras e as caçadas. Libertos de parte à parte, nos aconchegamos afetuosa e efusivamente, repartindo juntos com as garotas os primeiros minutos do novo ano. Minutos que valeram por horas. Ah, e ela se chamava Elke e tinha uns olhos azuis que chispavam faiscantes.