O Silêncio do Céu começa com um estupro. Uma cena densa, sufocante, angustiante e, para a vítima, obviamente traumática. Diana, a personagem que sofre a violência, se recolhe. Mergulha numa dor íntima, envolva em muitos medos. Em contraste com o que sofre calada, sua vida familiar parece comercial de margarina. Tem uma casa linda, crianças alegres, um marido lindo e presente. Talvez presente até demais. E, também, envolto em suas questões. Tão logo a trama se desenvolve, Mario descobre que a mulher foi abusada. Cada qual trancado em seu mundo, disfarçando uma normalidade acossada pela cumplicidade velada, Diana e Mario mergulham num inferno íntimo, um purgatório moral.
Prêmio Especial do Júri de Melhor Filme, Melhor Desenho de Som e o Prêmio de Melhor Filme pelo Júri da Crítica no Festival de Gramado deste ano, o longa do diretor brasileiro Marco Dutra estreia nesta quinta-feira, às 19h30min, na Sala de Cinema Ulysses Geremia. Trata-se de uma coprodução entre Brasil e Chile, ambientada no Uruguai e falada em espanhol.
O casal central da trama é interpretado por Carolina Dieckmann e o argentino Leonardo Sbraglia, de Relatos Selvagens. Ele tem um registro de atuação precisa, acrescentando ao ar de galã uma densidade que reforça ainda mais os vários pontos positivos do longa. Carolina Dieckmann é outro deles. Sua atuação vai além das mocinhas de telenovela, qualifica e dá nuances engenhosas à figura nem tão frágil da estilista cuja inspiração para suas roupas vem dos cactos. Plantas lindas, resistentes, mas com espinhos.
A trama começa como um drama psicológico e se desdobra num suspense à Hitchcock centrado na determinação de Mario em buscar os responsáveis pela agressão. Nesse contexto, a produção também dá destaque ao personagem do estuprador, vivido por Chino Darin, filho do cultuado Ricardo Darin, cuja atuação é igualmente silenciosa, mas carregada de tensão.
Vítima, algoz e justiceiro se embrenham em relações perigosas que, em vários momentos, sufocam o público. Numa das sequências mais elogiadas do filme, quando o estuprador espreita novamente sua vítima, o barulho do carro é tão agudo e visceral que denuncia o inferno ruidoso das tantas violências imbricadas no mundo. É quando percebemos com quantos medos convivemos diuturnamente. Calados.