Naquele banco de praça, com livros ao mundo, o tempo faz poesia. Revisita um pacto de sobrevivência e faz versos ao que de ali se constrói hoje. Da esquerda para a direita, eis João Claudio Arendt com o livro do quarteto nas mãos, Clóvis Da Rolt, Marli Cristina Tasca e Douglas Ceccagno. A coletânea de poemas Calendário – Antologia poética do Grupo Neblina selou uma vontade de referendar a estética da Serra, buscando desvelamentos por trás da cerração que nos marca de forma indelével.
Nesta sexta-feira, às 20h, no Sesc de Bento Gonçalves, os agora escritores e professores se reencontram para rever caminhos, recitar lembranças, rearticular procedimentos como os que refletem aqui. E renovam a crença no futuro que estava lá atrás.
– O grupo produziu como principal herança a amizade entre nós. Estamos em contato permanente, trocamos poemas, partilhamos interesses literários e, sempre que possível, nos encontramos pessoalmente, já que residimos em cidades diferentes – diz Da Rolt.
João Claudio Arendt
Dissipada a neblina, qual a fortuna crítica desse encontro?
– Eu acho que os encontros do Grupo e a publicação foram importantes como primeiros passos de nossas trajetórias. Não tivemos uma grande recepção crítica daquele livro, mas ele sempre vem à tona quando nossas produções posteriores são analisadas. Lá estão as sementes do que viríamos a ser: os temas, o estilo e o modo de olhar para o mundo. Com exceção do Clóvis, éramos estreantes em livro, mas não na escrita de poesia.
Como vê a produção poética atualmente na Serra?
– Percebo uma ânsia editorial muito grande, quase patológica. Há uma corrida atrás de financiamentos públicos, que faz coro a iniciativas de autopublicação. Tem até gente vendendo livro que ainda não foi escrito... De um modo geral, temos alguns bons poetas na Serra. Mas, para muitos dos que se aventuram na poesia, falta investimento em formação. Ou seja, creio ser necessário investir pesado em formação literária, para qualificar mais a poesia serrana.
Marli Tasca
Qual a contribuição do Grupo para o contexto literário da Serra?
– O Grupo Neblina veio ocupar uma lacuna na produção e circulação de poesia na região, problematizando o poético sob uma perspectiva singular e respondendo a inquietações subjetivas. Por isso, embora o nome do grupo faça referência à paisagem da Serra, o olhar poético ultrapassa esse espaço imediato para debruçar-se sobre questões humanas.
Clóvis Da Rolt
O que aprendeu com a experiência desse encontro que ocorreu há mais de uma década e reverbera hoje em seu cotidiano?
– Penso que a experiência do Grupo reforçou em mim o interesse pela poesia e por um trabalho focado na qualidade da produção. De certo modo, aprendi com o Grupo a não fazer concessões, a evitar o caminho fácil e a somente trazer a público o que for intelectualmente honesto.
Douglas Ceccagno
Qual a importância do Neblina em sua trajetória?
– Foi um grupo de pessoas com interesses comuns, como a leitura, a escrita e a preocupação com o lugar dessas práticas na sociedade. Foi importante como momento inicial de quatro trajetórias que acabaram tomando caminhos distintos.
Provocação: fazer poesia para quê?
– Se não reconhecemos na poesia uma utilidade hoje, é porque ela não serve aos valores dominantes da nossa sociedade, que é a sociedade do consumo, da rapidez, da superficialidade e do espetáculo. Sendo assim, a sua existência é, por si só, uma subversão. Então, em última análise, acho que, hoje, a poesia serve mesmo para não servir.