Não faz muito tempo, aos 30 anos as pessoas já estavam com a vida definida: formadas, com um emprego estável no qual provavelmente passariam o resto da vida, família constituída. Se tivessem curso superior, melhor ainda, pois isso era a garantia de uma vida profissional estável e bons rendimentos. Hoje, a realidade é outra, e uma recente pesquisa intitulada Projeto 30 revela que, nessa idade, grande parte dos jovens brasileiros mostra-se frustrado, especialmente por "não ter chegado onde queriam" – percepção que atinge 44% dos entrevistados das classes A e B e 43% dos da classe C. Apenas 15% dos entrevistados se dizem plenamente satisfeitos com suas conquistas, e 64% afirmam ter ido aonde a vida os levou, sem controle de suas escolhas e sem planejamento.
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– Isso ressoa de forma contundente ao avaliarmos seus índices de satisfação profissional e, sobretudo, financeira. Pouca gente chegou onde imaginava, infelizmente – ressaltam os coordenadores do estudo, Dennis Giacometti, presidente da Giacometti Comunicação, e Tiago Faria, sócio-diretor da Pesquiseria.
O resultado dessa insatisfação é que muitos adultos têm voltado a estudar ou buscado outros caminhos. No caso do caxiense Jeferson Schwingel, 30 anos, formado em Administração e que atuava como representante comercial, a situação atual da economia e alterações no seu segmento de trabalho levaram à vontade de mudança. E a mudança foi grande: no fim de abril, ele e a esposa, a relações-públicas e professora de dança Jéssica Meneguzzi Schwingel, 24, embarcaram para a Austrália, após venderem casa, carro e motos. A ideia é ficar no mínimo dois anos, mas eles não descartam ampliar esse período, gerenciar um negócio próprio e até mesmo fixar residência por lá.
– A possibilidade de aperfeiçoamento da língua inglesa, de crescimento profissional e pessoal e questões relacionadas à falta de segurança em nossa cidade e em todo o Brasil foram alguns fatores que nos levaram a vir para a Austrália. As praias paradisíacas e o clima semelhante ao nosso ajudaram na escolha por Sydney – conta Jeferson, por e-mail, ressaltando ainda o fato de Sidney ser cosmopolita.
Para a florense Méuri Molon, a virada veio um pouco antes, quando estava prestes a fazer 29. Graduada em Design Gráfico e com pós-gradução em Docência do Ensino Superior, ela coordenava a equipe de criação de uma agência de publicidade. Amava o que fazia, mas sentia-se cada vez mais estressada, não conseguia dormir direito e começou a apresentar sintomas de labirintite. Em vez de medicamentos, o médico sugeriu que investisse em um hobby. Assim, quase de brincadeira, ela passou a comercializar cosméticos da Mary Kay.
– Em um mês, estava ganhando o dobro do que ganhava no trabalho, e os sintomas do estresse sumiram – conta.
Após oito meses levando paralelamente o trabalho na agência e o de consultora de beleza, em fevereiro de 2015 ela resolveu ficar só com a segunda opção. Chegou a ouvir que era louca, mas não desistiu.
– Não é nossa formação que vai determinar o que a gente pode ser – salienta Méuri.
Comemorando dois anos de Mary Kay neste domingo, a agora diretora de beleza se diz realizada. Ganha cinco vezes mais, conquistou o famoso carro rosa da marca, ganhou três viagens (em agosto, mês em que completa 31 anos, embarca para Nova York) e melhor qualidade de vida.
– A gente ama uma coisa até descobrir que ama outra mais.
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Expectativas elevadas
Embora o momento econômico pese, como no caso do caxiense, esse não é o único fator para o pessimismo dessa geração. O que se percebe, segundo Faria, é um nível de expectativa elevado e nenhum planejamento concreto. A análise se assemelha à do pesquisador da URFGS Alex Primo, mestre em Jornalismo e doutor em Informática na Educação.
– Tem chamado a atenção esse discurso, que vem de uns 10 anos já, de que a tecnologia permitiria uma vida autônoma de sucesso. Parecia que bastava criar uma startup ou mostrar-se na rede e o sucesso estava garantido, que ao chegar aos 30 anos o jovem estaria milionário. Realmente, o mundo mudou, o trabalho mudou, mas as espectativas estão muito altas – avalia Primo.
A geração Y, louvada como superior, acabou sentindo-se irreverente, potente, acrescenta. Como essas expectativas nem sempre se realizam, vem o desânimo.
Para a psicóloga, mestre em Educação e psicanalista em formação Anelise Rabuske, o mundo contemporâneo e consumista parece convidar a uma constante insatisfação: com a aparência, com os bens materiais, com os conhecimentos adquiridos, com as viagens de férias realizadas, com os vínculos estabelecidos, com a vida profissional.
– Em função disso, muda-se constantemente: de celular, de carro, de emprego (para um que pague mais, que ofereça mais benefícios, que desafie mais, que ofereça mais oportunidades), de curso (ao concluir uma graduação, já é preciso pensar na pós-graduação e depois em outra pós-graduação, um curso de inglês, um intercambio no exterior), de vínculos amorosos – analisa, lembrando que que muitas vezes aquilo que sentimos como necessário rapidamente é ultrapassado por outras coisas mais "necessárias" e que, logo, também se tornam descartáveis.
A psicóloga destaca ainda que a sociedade mudou muito nos últimos 50 anos. Para a mulher, ser solteira aos 20 anos não é mais "estar pra titia", e sim algo normal, com a carreira e a independência colocadas acima do casamento. As possibilidades agora são muitas, para homens e mulheres, e isso, como tudo, tem dois lados:
– O céu é o limite para o ser humano na contemporaneidade, mas, para isso, as amarras não são bem-vindas.
O aspecto contraditório, reforça, seria que justamente os limites e os vínculos consistentes é que oferecem a maior sensação de segurança. Sem eles, apesar da liberdade, aumenta-se a incerteza e a sensação de se estar à deriva, da qual advém a profunda sensação de insegurança contemporânea.
Ideal x real
Primo, que pesquisa mídias sociais, lembra de outro aspecto: a felicidade, nos dias atuais, parece depender do olhar do outro. Com a tecnologia, a aprovação da sociedade se torna quantificável, medida em curtidas, numa competição narcisística na rede:
– Muitos publicam (nas redes sociais) não para compartilhar bons momentos, mas para ver o que os outros vão dizer. É uma competição para ver quem tem mais curtidas, mais amigos.
A psicóloga Anelise avalia que as próprias mudanças podem ser encaradas como mais um dos ditames contemporâneos, um dos conceitos que movem o sujeito a produzir rupturas, na busca de realização de algo idealizado e não real. Tornar-se adulto, entretanto, seria algo diferente: ser mais autêntico consigo mesmo, mas também lidar melhor com as próprias escolhas e com as frustrações inerentes a elas, já que toda escolha implica abrir mão de muitas outras possibilidades:
– Amadurecer talvez seja sinônimo de aceitar nossas próprias impossibilidades, de aceitar que não podemos tudo, que temos limites e que não temos controle de muita coisa. Não há uma condição de total felicidade, nem de pleno sucesso; somos humanos e, exatamente por isso, falhos.
O ESTUDO
- O Projeto 30, conduzido pela Giacometti Comunicação e pela Pesquiseria, contou com pesquisas qualitativas (24 grupos de discussão formados por homens e mulheres de 30 anos, residentes no Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Porto Alegre) e quantitativas (entrevistas de mil jovens das mesmas cidades)
- A escolha do marco dos 30 anos se deu por ele ser simbólico, trazendo a dimensão do mundo "adulto" e abrindo a possibilidade de reflexão sobre o passado e questionamento sobre o futuro
- Seriam três as causas principais do descompasso entre o sonho e a realidade: a falta de ferramentas para desenvolver inteligência emocional para refletir sobre si nos anos que antecederam os 30; o universo familiar, que não criou condições para despertar autoconhecimento; e o Estado, ao não proporcionar políticas educacionais que priorizam a reflexão e criticidade dos jovens
PRINCIPAIS RESULTADOS
Percepções gerais
- Apenas 15% dos entrevistados estão plenamente satisfeitos com suas conquistas
- 64% sentem que não tiveram controle sobre as escolhas
- 44%, nas classes A e B, sentem não ter chegado onde queriam; na classe C, o índice é 43%
- Para 59%, os 30 marcaram um momento de muita reflexão e balanço, e para 52% a sensação é de não ter mais tempo a perder
- Ao fazer 30, o principal sentimento é de amadurecimento (40%), seguido por responsabilidade (24%), senso de realidade (8%), preocupação (7%), frustração (7%), felicidade (4%) e medo (3%)
- 26% nas classes A e B e 29% na classe C dizem que o caminho é mais difícil do que imaginavam
Vida profissional
- 53% têm uma baixa realização profissional e apenas 17% estão satisfeitos
- 70% têm uma baixa realização financeira e apenas 7% estão satisfeitos
- A expectativa de estar financeiramente estável tornou-se realidade para apenas para 18% (nas classes A e B) e 14% (na C)
- O desejo de atuar em uma profissão que os realizasse realizou-se para 21% dos jovens das classes A e B, 19% da classe C- O carro e a casa própria estavam na expectativa de 50% (A e B) e 54% (C), mas apenas 39% (A e B) e 26% (C) concluíram o plano
- O casamento e formação de uma família foram além do previsto: apenas 38% (A e B) e 34% (C) gostariam de seguir esse caminho, que tornou-se realidade para 55% (A e B) e 87% dos jovens da classe C
- Aos 30, 34% dos entrevistados das classes A e B gostariam de ter concluído cursos para aprimorar o aprendizado, uma realidade para 28%; para os da classe C, essa era a expectativa de 40%, mas somente 24% conseguiram concretizar