Num cenário do céu ao revés, como definiu Atahualpa Yupanqui, a milonga reverbera como pacto de união sonora pampeana. E soa também como causa artística, manifesto de resistência e pertinência cultural de Lucio Yanel, que apresenta hoje, às 20h30min, no Teatro Pedro Parenti, o concerto Lucio Yanel e a Guitarra Pampeana.
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A estética da apresentação é mesmo de um recital. Foco de luz minimal sobre o intérprete. Reverência a para o conteúdo sonoro deste gênero que, segundo ele, une povos, redesenha geografias musicais. O repertório é quase todo de músicas autorais, reverenciando também o trabalho de Yupanqui, mestre do mestre Yanel.
– O que deve emergir desse concerto é o ser social, o homem é o conteúdo da milonga. Instrumentista e instrumento são caixa de ressonância do pampa – diz o músico.
Didático como pretende ser no palco, Yanel explica que a palavra pampa vem da etnia indígena quechua, da Cordilheira dos Andes. Designava o território aberto, as planuras, que na Argentina são Pampa Seca, Úmida ou Mesopotâmica – na região de Santa Fé, Entre Rios e Corrientes, terra onde nasceu – chegando à Pampa Brasileira, o Rio Grande do Sul.
– A milonga é sinalizadora de uma série de ritmos como chimarrita, chamamé, rasguito doble, xotes e polcas europeias – cita o intérprete, aludindo à existência de um verdadeiro bioma musical pampeano.Raiz e frutos dessa música se entrecruzam no palco de Yanel. É uma paisagem humana que reverbera em acordes:
– Gosto do homem do campo, das pessoas do interior, de sua vida sofrida e sonhadora, que não deixa a peteca cair. São os temas desse homem, do gaúcho, que se transformam em música. A raiz de tudo é a simplicidade.
Um simples que é refinamento, exige atenção e seriedade em sua execução.
– Gaúcho é toda uma essência. Não se pode deturpar. Para expandir os limites, tem que se conhecer a base. Por isso estou em contínuo crescimento, cumprindo isso com amor. A milonga é o berço que me aninhou – fala o artista, 70 anos festejados na segunda-feira.
Para reafirmar esta paixão à música que lhe deu projeção, Yanel amplia a ideia do convívio das gentes através dos laços artísticos citando a vida dos italianos na Serra gaúcha, seu gueto, seu horizonte entrecortado por montanhas.
– É disto que quero falar, do convívio das culturas. Para que o outro se afine comigo. Me interessa ser entendido – afirma, avisando que o repertório de hoje também fará concessões ao tango.
Afinação e aprendizado que sonha ver também nas escolas convencionais e nos espaços de formação musical.
– É importante uma orientação musical séria, para que se estude a milonga academicamente, pois há quase que exclusividade de aprendizado do erudito. Na milonga há um acúmulo de informações que pode ser explorado academicamente. É uma questão de patrimônio musical e cultural nacional e sul americano, um exercício estético e afetivo – diz o mestre aprendiz.
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Música
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Carlinhos Santos
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