Para responder às indagações sobre onde estão os negros na dança cênica brasileira, a diretora e coreógrafa carioca Carmen Luz fez Um Filme de Dança. A produção será exibida nesta sexta-feira, às 19h30min, no UCS Cinema, em sessão gratuita, aberta ao público.
Na tela, desfilam nomes fundamentais do ambiente da dança negra brasileira, tais como o Balé Folclórico da Bahia, Mercedes Batista, Gilberto de Assis, Marlene Silva, Charles Nelson, Rubens Barbot, Elisio Pitta, Mestre King, Augusto Omulu, Augusto Soledade, Cia. Laso de Dança, Cia. Étnica de Dança, Valeria Monã, Luciane Ramos, Evandro Passos, Isaura de Assis, Nem Britto, Nildinha Fonseca, Rui Moreira, Andre Bern, Zebrinha, Clyde Morgan, João Carlos Ramos, Alcione Carvalho, Édio Nunes, Cia.Aérea de Dança, Mestre Pitanga, Edileusa Santos, Amélia Conrado, Bando de Teatro Olodum, Andre Bern, Carlos Laerte, Fernando Ferraz, Carlos Afro e Cia. Bataka. A atividade é organizada pelo curso de Tecnologia em Dança da UCS, na disciplina de Tendências Estéticas Contemporâneas.
A diretora estará presente na sessão, bem como o coreógrafo Daniel Amaro, da Cia. De Dança Afro Daniel Amaro, de Pelotas, que também coordena mais um módulo de seu curso de Dança Afro no Teatro do Encontro, neste fim de semana. Os dois participarão de uma conversa com o público no fim da sessão, mediada por esse colunista. Na entrevista que segue, Carmen dá pistas sobre a coreografia de ausências e presenças dos corpos negros na dança brasileira.
3por4: Que dança, pessoas e contextos congregam seu filme?
Carmen Luz: São danças concebidas, realizadas, ensinadas e extraídas de contextos onde predominam inúmeros referenciais da experiência afrodescendente. Qual o desafio para fazê-lo?
De modo geral, os principais desafios são econômicos: dinheiro, tempo e inteligência que subsidiem a descoberta e o estudo das fontes, a elaboração de linguagem. Mas posso te dizer que um grande desafio é lidar com minha alegria, com meu entusiasmo frente a tanta diversidade produtiva.
Onde a dança negra brasileira reverbera e tem mais contundência?
Os corpos negros criadores e intérpretes de dança são muito diversos e suas danças refletem isso. Percebo que a contundência, a qual você se refere, tem a ver em como cada artista ou agente cultural ou educacional que trabalha a dança como uma espécie de chave para transformação, ou mesmo certos deslocamentos cognitivos, como eles interagem com o ambiente, seus temas, seus modos de criação. Não acredito que se deva apostar que a contundência tenha a ver com alguma visibilidade e quantidade de produção como acontece, por exemplo, no Sudeste. Sabemos, no entanto, que tudo que se produz nos centros com maior poder de mídia são capazes de inspirar debates e ações relevantes e novas no campo da dança feita em outros lugares.
Falar sobre dança negra é, também, abordar desafios, conceitos e preconceitos num Brasil multirracial?
Penso que todo artista e educador de dança e que se expressa pela dança de uma forma ou outra aborda as questões que você mencionou. Quando vamos ao teatro e vemos, majoritariamente dançando no palco, apenas os corpos considerados brancos, podemos nos fazer muitas perguntas acerca dos preconceitos, do racismo e da desigualdade que permanece estruturando nossa sociedade, nosso Brasil multi racial.
Quais e quantas são as danças possíveis a partir da matriz negra?
Eu não conseguiria contar, diria que desde o dia em que africanos e europeus se descobriram, contataram-se uns aos outros, desde muito antes da escravização e toda a perversidade imposta aos povos africanos, “as danças possíveis para a contemporaneidade a partir da matriz negra”, vêm sendo construídas e com enorme sucesso, infelizmente sob forma de um retorno desigual para o corpo e os criadores negros.
Como tem sido a repercussão do filme em seus espaços de diálogo e exibição no Brasil e no mundo? Que desafios ele coloca à pensadora, coreógrafa, bailarina e militante?
O que mais me encanta é quando um filme coloca pessoas e mundos em contato uns com os outros. Isso meu filme faz! Ele é um hino ao reconhecimento de nossa humanidade, de nossos poderes inventivos; de nossas belezas como seres humanos, todos nós temos história, narrativas para compartilhar. Me sinto feliz, pois o filme tem sido visto, tem emocionado e inspirado pessoas em todos os cantos por onde tem passado. Os depoimentos que recebo nos debates e por escrito me inspiram também e me enchem de coragem para continuar na batalha do próximo projeto. Na verdade, não sou uma militante, estou mais para uma ativista que trabalha duramente para que a poesia nos flexibilize e nos ajude a construir outras formas, talvez mais novas, de pensar e viver.