Pedro Guerra

Pedro Guerra

Escritor com 18 livros publicados, vencedor do Açorianos. Jornalista de formação, especialista em Neurociência e pós-graduado em Saúde Mental. Trabalha como palestrante há 13 anos.

Opinião

Pedro Guerra: mordendo a língua

Olhei para o espelho e tentei convencer a mim mesmo de que esse era um daqueles sinais implícitos que a vida nos dá para visualizar oportunidades e descobrir coisas novas

Pedro Guerra

Enviar email
Antonio Giacomin / Divulgação

Sou um fã assumido de cheiros, seja qual for. Gosto do cheiro de incenso, de casa limpa, de velas queimando em silêncio, de gasolina enquanto abasteço o carro, de fósforo recém riscado, e obviamente de perfume. Quanto ao último, sempre fiz questão de honrar a minha indecisão e estou toda hora variando: perfume doce, amadeirado, cítrico ou com um cheiro de absolutamente nada mas que a vendedora explicou com tanto cuidado que pareceu ser o melhor do mundo. Nunca me limitei a um específico porque acredito que a vida é curta demais para a gente ter sempre o mesmo cheiro. 

Leia mais
Pedro Guerra: sopro
Pedro Guerra: carta ao meu pai

Desde que eu passei a escolher os meus próprios perfumes (isto é, depois que a nossa mãe para de passar aquele óleo mamãe & bebê da tampinha verde depois do banho), cultivei o costume de trocar de perfume de acordo com o meu humor. Mas recentemente tive que entender que nem todo mundo pensa assim quando uma amiga me chamou desesperada, como se uma grande tragédia tivesse acontecido, e o resumo da história era que o perfume favorito dela estava entrando em extinção. 

Admito que o drama não fez sentido para mim naquele momento. Afinal, a resolução me parecia óbvia, já que às vezes a vida se encarrega de nos mandar alguns sinais implícitos nas situações mais aleatórias: oras, bastava escolher um perfume novo!

Mas não. 

Tinha que ser aquele. 

Ela bateu o pé e disse que o usava há anos e que gostava demais daquele cheiro. Quando soube que ele deixaria de ser fabricado, surgiu a revolta. Foi como perder uma parte de si, eu acho... Vai entender. Eu bem que tentei argumentar com esse papo de oportunidade para expandir os nossos gostos e descobrir coisas novas, mas não obtive muito resultado. De qualquer forma, ela teve que economizar até a última gota do frasco. 

Hoje, passados alguns meses desde o episódio, eu entendo que toda perda gera um certo tipo de luto, seja ele superficial ou daqueles tão profundos que parecem nos corroer. 

E eu só enxerguei isso porque um dos perfumes que eu mais gostava deixou de ser fabricado. 

Sim, mordi a minha própria língua. Logo eu, o grande defensor e representante dos cheiros variados e da balela de que 90 anos (com sorte) é pouco tempo para sustentar no pescoço sempre o mesmo perfume, estava na loja discutindo com o vendedor sobre a extinção do meu produto favorito (porque sempre tem um que a gente gosta mais, convenhamos) – como se a culpa fosse dele. 

Tive que aceitar. De volta para casa, olhei para o espelho e tentei convencer a mim mesmo de que esse era um daqueles sinais implícitos que a vida nos dá para visualizar oportunidades e descobrir coisas novas. 

O fim da história? Revirei os olhos, bufei e fui para o site da perfumaria abrir uma reclamação. Onde já se viu?!

Leia também
Exposição "Ars-Artis" relembra os 40 anos de trajetória artística do Frei Celso Bordignon
Prazo para se inscrever em edital que irá contemplar projetos artísticos em Caxias encerra nesta sexta
Projeto Circo Sonoro seleciona atrações para a sua terceira edição, em Caxias

GZH faz parte do The Trust Project
Saiba Mais
RBS BRAND STUDIO

Gaúcha Atualidade

08:10 - 10:00